Cartas para Catarina III

Birigui, 17 de outubro de 2020.

Minha querida filha,

Sinto saudades. Não é aquele tipo de saudades que se sente quando sabemos que o ser amado voltará. É uma saudade mais densa e cruel. Em alguns momentos aperta minha garganta e parece que vou sufocar. É uma saudade que eu sei que não será saciada, pelo menos não nesta terra, e isso a torna ainda pior. Essa saudade inexplicável daquilo que eu não pude viver com você. Meu peito ainda queima com a lembrança do leite que fui obrigada a secar. Era nosso elo mais profundo e eu fui obrigada a encerrá-lo. Doeu quase tanto quanto te perder.

Fico pensando como é aí neste lugar. Será que há alguém que te alimenta? Ou será que não é necessário? Me pergunto se você se lembra de mim, do papai e do Samuca. Também imagino se você vai crescer ou me esperar bebê. Se eu pudesse escolher, gostaria de encontrá-la ainda bebezinha. Sentiria como se não tivesse perdido e poderia viver o que não vivi com você. Sei que estou sendo egoísta, mas não consigo evitar.

Essa noite eu estava quase adormecendo quando tive um princípio de um sonho. Talvez tenha sido um vislumbre do que viveremos na eternidade ou só meu cérebro expressando meus desejos. Eu me vi sobre uma colina gramada, daquelas que me despertam o desejo de correr. Eu, contudo, estava sentada, com flores nos cabelos longos que não tenho. Ao meu lado havia uma cesta de piquenique e, no meu colo, embrulhada em uma manta branca, uma bebê que eu imagino ser você. Eu gostaria de poder viver isso, filha, ainda que seja apenas no lugar eterno onde você está. Eu exalava felicidade, da mesma forma como quando você estava aqui. Como fui feliz enquanto você estava nos meus braços! Pensei que aquela felicidade duraria para sempre.

Enfim, eu só queria você aqui, princesa. Em todos os nossos passeios me imagino com você no colo, mas meu colo está assustadoramente vazio. Eu só queria você. E, agora, pensando nisso, meu peito queima outra vez. É como se meu corpo também a chamasse de volta. Eu, como um todo, ainda não consigo acreditar no que aconteceu, quem dirá entender. Não, talvez eu nunca entenda, mesmo quando eu acreditar e aceitar, acho pouco provável que eu compreenda. Eu só consigo pensar que tudo isso está muito errado.

Quais são as cores da eternidade, querida? Espero que seja tudo lindo aí.

Amor,

Mamãe.

Lilian Blasioli
Enviado por Lilian Blasioli em 04/11/2020
Código do texto: T7103630
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