Carta de Saudade
Querido Marc,
Escrevo mais uma de tantas outras cartas que nunca poderão chegar em suas mãos. Já sabe que estou em minha escrivaninha, sozinho, suspirando alto ao lembrar de mais um de nossos momentos.
Hoje está sendo uma manhã difícil.
É dia de partir do nosso lar. Não aguento mais te imaginar pelos cantos dessa casa. De, por vezes, escutar mais um de seus poemas aleatórios pelo corredor.
Não consigo esquecer a última noite que passamos juntos.
Você, como sempre sorridente, puxou meu dedo mindinho e me guiou para o alojamento. Os rapazes se divertiam ao som de jazz, cigarros e bebidas trazidas de alguma mochila clandestina. Seu bafo carregava álcool, e suas asas já começavam a se soltar.
Suas mãos me rodopiavam pelo quarto. E garrafas viravam pela boca. Os rapazes agitados não estavam mais preocupados com as duras regras do quartel. Tampouco a bronca que levaríamos por tamanha indisciplina.
Por fim, a agitação acabou. Você ainda estava segurando meu corpo. As gargalhadas se tornaram sorrisos bobos. E tua voz preencheu o alojamento com mais um dos poemas aleatórios que duvido que sejam seus.
Os rapazes nos arrodeavam com caras boquiabertas. Seu olhar estava fixado ao meu. Nossa pequena valsa ganhava vida com seus passos desajustados e embriagados. Tombamos inúmeras vezes, rindo um para o outro. Tua voz recitava com tanta paz e chamego. Foi a noite mais linda que vivi. Nosso beijo lento foi aclamado pela roda que voltava a foliar.
Quanta saudade… Não fazia ideia de que esse seria nosso último beijo. O derradeiro toque foi um abraço bem apertado, daqueles que o mundo começa a girar. No outro dia você foi para o bombardeio as pressas, e acabou sendo tomado a força de mim, junto a outros três de nossos colegas.
Essa é a parte que choro enquanto escrevo. Ao ponto de mal enxergar as letras.
Por favor, me espere aí de cima. Sinto tanta sua falta, que acho que não demorarei a ir te ver. Se a guerra não me matar, juro que a saudade se encarregará disso.
Guarde mais um de seus poemas pra mim.
Com amor, John.
P.S. Nunca deixarei de te amar.