Amores Confessos - Escadaria da Antiga Igreja de Desterro do Melo: Palco para Teatro do Sacro e Profano
 
Toda a vida social convergia para a igreja em Desterro do Melo  além de missas, quermesses, batizados, casamentos.  Era  para o átrio do santuário que se voltavam as portas do pequeno comércio. Era bem mais que o centro religioso. Era  centro social onde as pessoas se viam e comentavam uns sobre os outros. Os boatos corriam.
 
Meus avós maternos, além de sua residência em uma pequena fazenda na área mais rural, possuía uma casa defronte da que seria “a nova igreja com suas escadarias”. Ali era menos solitário. E  minha avó podia espiar a rua. Meu avô cuidava de seus pais e transitava  entre Desterro do Melo e Santa Bárbara do Tugúrio onde eles tinham parentes também. Era o Augusto, o Velão, e sua Augusta, dona – dona, faça o favor!, quase um título nobiliárquico. E era também a Dindinha, madrinha para grande parcela de afilhados. 
 
Quando casaram foram ao Rio de Janeiro e isto era contado como grande mérito. Até se fotografaram em estúdio como era comum à época. Meu avô tinha “A Sagrada Escritura” ilustrada em uma edição dos anos 1920. Quando  ele morreu era assim que ela, a vovó, distraia os netos através daquelas ilustrações recontando ao seu modo aquilo que ouvira de seu marido. Já nos anos de 1960 ela mantinha este livro e trazia também em sachê, retalhos amarrandos, sementes de legumes e flores. Ela ainda possuía também um tubo aromático, que se chegava ao nariz para desentupi-lo, um chifre de veado e um pequeno facão que usava para cortar unhas. Quando eu fiz quinze anos ela me presenteou com o livro e o facãozinho dizendo: você agora é um rapazinho e nas suas andanças vai precisar se proteger. Se eu precisasse usá-lo mesmo eu estava danado, pois era diminuto!
 
Minha mãe dizia que seu pai era juiz de paz, cargo existente na República Velha e cabo eleitoral dos antigos “coronéis mineiros”. Vendia produtos que conseguia produzir  na fazenda. Alguns destes produtos eram cachaça e derivados da carne de porco. Um dia encontrei com meu primo Lalado e na conversa ele foi enfático:  “nosso avô já dizia: se a colher não estiver limpa direito põe a perder toda gordura e torresmo”. Achei pitoresco em virtude de minha mãe também ser cheia de ditados assim.
 
As crianças, quase como um uniforme, vestiam uma peça de indumentária chamada fofoca. Lá iam as mães exibindo as suas em capricho. As moças, laçarotes e tiaras. Os homens, suas roupas domingueiras. Os moiçolas, camisolas... o ‘Fio de’ usava aquela camisola que  ele andava pela rua afora. E minha mãe, com sua lenda, dizia em legenda: “Ficou doido, lia demais.”
Ah, e os menos favorecidos calçavam alpercatas e os despossuídos, descalços. A única vestimenta era a peça que ganhara da madrinha no enxoval do batizado.
-  Bênção, Tindinha!
 
No dia de Finados as matriarcas, já morando em Barbacena, partiam em caravana na Aero Willis do Tinico para Desterro do Melo. E esta era a expressão que eu mais ouvia no cemitério dita por  homens e mulheres que vinham saudar minha avó. O carro ia repreto de lírios, gipsons e saudades roxas – flor e sentimento. Na memória ficou a imagem daquele homem enorme com terno preto que fora para São Paulo e se dera bem encurvando-se para beijar as mãos  de minha avó. Quando ela morreu não faltaram afilhados para a última visita ao seu corpo. E depois carreata até sua cidade e o sino repicando em um adeus triste.
 
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Leonardo Lisbôa
Barbacena, 28/09/2020.


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de 19 de Fevereiro de 1998.
 
 
 
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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 05/10/2020
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