Carta para Mamãe .......*
Carta para Mamãe.......*
Oi, Mãe...
Dia 27 de agosto foi seu aniversário, (...) eu não me esqueço nunca. Em 2007 , naquele dia 19 de janeiro, eu senti um choque, eu havia realmente te perdido. Levei muito tempo para superar. Aliás eu nem sei direito se superei pois sinto um certo bloqueio aqui dentro. Por isso resolvi escrever para externar meus pensamentos e refletir melhor sobre o que puder.
Há muitas coisas que queria dizer, mas eu creio que deva saber o que eu sinto, como estou. Mas faz tanto tempo... E mesmo assim nunca me esquecerei do seu jeito cantado de falar. Minhas amigas diziam que a senhora falava com muito sotaque e eu como filha nunca havia percebido.
Há muitas coisas em mim que são positivas, mas devo confessar que eu sofro por ser uma parte do seu reflexo. E mesmo assim sempre digo que não tenho nem metade da força que tinha. Quantas aulas tive com sua vontade de perseverar e nunca se entregar. De ter sua opinião, mas ao mesmo tempo ser tão tradicional com a educação japonesa. Eu nunca a vi gritar daquela forma como o povo aqui o faz, se fosse lembrar, era uma tentativa de um desabafo. Contigo tive a oportunidade de aprender a mexer nos seus fios de bordado, havia uma coleção de quando era solteira, como pude não dar tanto valor naquela época? Contigo fiz minha primeira blusa de tricô e estou com ela até hoje. Contigo fiz meus trabalhos de crochê e tenho minhas toalhas com bicos de crochê feitos com muito carinho. Contigo aprendi a ser versátil, se não havia um material, eu teria que me virar e achar outro alternativo. E é assim na cozinha, aprendi a cozinhar te observando e hoje posso criar mais. Contigo aprendi a valorizar os alimentos saudáveis. Em seus braços eu me aninhei quando papai estava em Goiás, quando estava chovendo forte. Quantos choros meus teve que agüentar, em minhas angústias principalmente nos primeiros anos de escola, eu chorando e a senhora me ajudando no trabalho escolar. E não teve essa oportunidade de se lamentar como eu, não teve tempo, ... Eu sei... a senhora teve que ajudar a batchan a criar seus irmãos. Até no parto dos gêmeos auxiliou. O que me alegra muito é saber que seus irmãos sempre foram carinhosos, te mandavam notícias e quando surgiu o telefone te ligavam. Tia Luíza e Tio Satomi infelizmente se foram antes de ti, mas seus outros irmãos estavam sempre te dando notícias ou era a senhora ligando para saber, assim como do Ditchan e Batchan. Eu queria tanto não ter perdido a fita em que o L. pôde gravar sua voz em seus últimos meses.
Hoje percebo o valor das plantas, vejo a paz que elas realmente dão. A senhora costumava dizer que conversava com elas, suas amigas. Ao mesmo tempo que teve o privilégio de ser alfabetizada em japonês no Brasil por ser filha de imigrantes , a cobrança foi imensa. Quando se tem uma educação à altura nossa cobrança pessoal é muito grande. Uma outra recordação do que me falou : “Filhos são seus até os dez anos, depois disso não mais ...” Eu percebo isso literalmente.
Se pudesse voltar no tempo eu queria te dar muitos abraços, que queria te dar mais carinho. Eu tenho uma profunda gratidão por tudo que foi e fez por mim.
Quando disse que sou um reflexo de ti é por tudo que aprendi, pelos desenhos que aprendi a fazer, pelos meus dons, pelo valor que dou à educação que recebi mas principalmente pela auto crítica. Essa foi a parte que creio que sou mais a sua pessoa em mim. Também aprendi o valor do companheirismo. Eu tive o seu exemplo ao lado do papai. Um casamento é uma verdadeira construção.
Mãe, eu te amo muito. Queria muito que pudesse estar viva para ver meus filhos mais pertinho. Eu me lembro de ti curtindo-os. Os chás de hortelã que fazia para o L. , o colinho gostoso para A.
Foi a mulher que como disse, pôde trabalhar em seus ofícios sempre com as tesouras, a primeira de costura, a segunda de cabeleireira e a terceira com as plantas que sempre amou.
Deve haver muitas flores onde a senhora está. E todos os bichinhos lindinhos que ajudou a cuidar perto de ti, sim, quantos cachorros a senhora salvou ... Houve uma época em que o Viveiro de plantas ficou conhecido como o orfanato de cães. Havia sempre alguém deixando uma caixa com filhotes. E nunca se negou a cuidar desses seres indefesos.
Eu te amo muito. Onde quer que esteja, eu estarei sempre olhando para o céu para poder te agradecer sempre.