Almas Penadas: Puxa-pés e Velórios – Cartas ao Tempo
 

“Eu namorei o fio de fulano e nós tínhamos um trato”.  Começava minha mãe  suas narrativas regionalistas. Lá as novas gerações eram identificadas com “Os fios e as fias de fulano e sicrano”.
 
Sempre quando morria alguém o velório era seguido de muitas rezas pelas mulheres, cachacinha com fatias de queijo-mineiro em homenagem ao morto pelos homens, flertes juvenis e assuntos macabros: histórias de assombração e almas penadas.
 
O momento social era alimentado com fatias de queijo branco, se o morto fosse alguém de situação remediada. Se fosse despossuído  seria só cachaça e café amargo. Os privilegiados recebiam aguardente para se aquecerem na noite e a família do defunto servia queijo defumado   do reino. Cortesia da fábrica de  laticínio recém instalada. Defunto prá lá e iguarias prá cá. Até o fúnebre faz distinção com as bênçãos religiosas da sociedade.
 
Os flertes se aproximavam de namoros   com  acordos mórbidos nos velórios. Deveria ser assim, pergunto ao passado daquela comunidade, que a juventude transpunha a dor da morte?
 
E qual era o trato, que se antes aproximava, depois gerava temor? Deixo a Assombração falar:
 
“Foi no velório do avô dele que nós combinamos: quem morrer primeiro puxa o pé do outro e vem contar como é o mundo do além.” Fui para a fazenda e aí eu não dormia mais pensando: e se o Fio do Fulano morrer primeiro?”  Novos flertes aconteciam só nas missas aos domingos.
Um dia ele, o Fio do Fulano,  escreveu uma carta. Tornou-se relíquia para minha mãe.
 
O Fio do Fulano  não sei se ele morreu ou foi embora. Sei que não casaram e a carta é o que restou. Mesmo casada com meu pai ela mantinha aquele registro de sua história. E às vezes suspirava melancólica supondo o que teria acontecido e como seria se tivesse casado com o outro.
 
E esta crônica eu escrevi quando outro dia nas redes sociais pessoas lamentavam de como seriam os atuais velórios em curto espaço de tempo devido à pandemia.
 
Eu teci algumas considerações, me atrevendo à opiniões intimistas,  expressando nesta carta ao passado de narrativas familiar.
 
Despedidas são feitas em vida.
Eu dispenso este teatro da Morte que NEURÓTICOS comparecem para fofocar e fazer pose de piedade.
 
 
Quando eu morrer me enterrem rápido para eu voltar  ser planeta: decompor os minerais do planeta que me formam e desfazer a eletricidade que provocou meu raciocínio.
 
 
Dispenso  pranto e seu choro.
 
Sei quem eu sou e o que fiz e o que deixei de fazer. Sem maniqueísmos (visão de bem e mal, bom e ruim). Sou o que sou. Serei o que sempre fui: combinação de compostos químicos e elétricos. Se necessitarem de sociabilizar vão para os bailes, para as galerias de arte, livrarias... Mas neste atual momento da pandemia fiquem em casa e usem máscaras de proteção.
 
 
Eu sugiro ao meu filho  processar quem usar meu nome para perturbar com NEUROSES e SOCIOPATIAS utilizando supostos poderes sobrenaturais.
  
 
Não sofra porque eu  venci meu contexto histórico e tenho vencido a mim mesmo.
 
 
Rezas, orações não resolvem problemas, velas e putrefação fedem e pessoas são HIPÓCRITAS.
Desconfiem  de quem tem o discurso da Piedade, da Religião do Misticismo e do Moralismo.
 
CIÊNCIAS DO CONHECIMENTO sempre. Menos desigualdades sociais.
 
Mas diz a lenda  que almas penadas, vultos, mesmo com sol do meio dia, vagueiam pelo cemitério daquelas paragens procurando  seus contratantes para lhes puxar o pé e narrar como foi o além do contemporâneo.
 
Cartas ao passado.

 
 
 
Leonardo Lisbôa
Barbacena, 26/08/2020.
 
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de 19 de Fevereiro de 1998.
 
 
 
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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 01/09/2020
Reeditado em 01/09/2020
Código do texto: T7051746
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