Carta De Uma Mulher Quase Livre
É, eu sou uma mulher quase livre. Por que quase? Porque tenho apenas 24 anos, sou honesta, vivo sozinha com meu filho de 4 aninhos, concursada há 5 anos aqui na cidade onde vivo, trabalho em dois empregos, estudo Administração, sou dona de casa, administro as finanças do lar, faço os planejamentos, ensino o meu filho a ler e a escrever, tiro sempre um tempo para dar atenção e carinho a ele mesmo que tenha que colocar alguma das outras coisas listadas debaixo do tapete, escrevo por hobby - talvez por ser um tipo de terapia também... Olhando para essa descrição, até eu penso “cara, o que uma mulher multitarefas dessa não é capaz de fazer? Quanta coragem é necessária diariamente para conseguir conciliar tanto?”
Pois bem, ser uma mulher que se banca, se vira, se cuida e dá duro não parece ser suficiente para ela ser livre na sociedade - principalmente quando esta está inserida numa pequena e pacata cidade, onde, ao que aparenta, a evolução mental das pessoas é proporcional, inversamente muitas vezes, à evolução populacional do município.
Dizem que a liberdade está na mente, que nós mesmos inventamos nossas prisões, que os calabouços só existem em nossas almas se nós os colocarmos lá: por um tempo eu tenho visto que os calabouços têm nos sido impostos nos “cala a boca” que não gritamos ao mundo, nos “foda-se” o teu preconceito, o teu retrocesso e a tua mediocridade que não dizemos, ou que nós acabamos permitindo que nos tranquem quando nos acovardamos ante aos maldizeres, olhares preconceituosos e palpites não pedidos.
Triste dizer, mas onde moro as pessoas têm preconceito até com uma boa educação, com gentileza, com simpatia, com empatia, com um bom dia dado a um rapaz: se sorriu, se foi gentil, se cumprimentou, é porque não presta, porque tem o interesse de ir para a cama com o rapaz, que é um sinal… absurdo! Mulher não pode ter amigo homem, que, como diz o ditado, está dando.
Uma pergunta que vive aos berros dentro de mim é: de quem eu serei amiga, se não posso ter amigos homens e as mulheres daqui não têm sororidade, aproximam de você apenas para saber da sua vida e te maldizer, trazer fofocas, são competitivas, te olham torto por você ser forasteira, te julgam sem ter a mínima ideia de quem você realmente é por dentro, só te querem para ser companheira de “rolê” ou por interesse em algo que você possa proporcionar (não falo de interesse financeiro, que fique claro)? De quem?
Não sei se todos conhecem a passagem que Jesus assentou-se no poço e conversou com uma MULHER, casada 5 vezes e amigada com um sexto, de outro povo (forasteira), pediu-lhe água e contou-lhe em primeira mão sobre boas novas, ou a que Marta e Maria se assentaram aos pés dele para ouvir histórias e ensinamentos (acho que quando vem de um amigo chamamos de conselho) - não sei se recordam-se da parte que Marta levantou-se para tratar dos afazeres domésticos, ou ainda a que ele impede o apedrejamento de uma mulher acusada de adultério… Há 2 milênios Jesus nos ensinava que homens e mulheres podem sim ser amigos, que o preconceito contra o estado civil ou o passado de uma mulher deve deixar de existir e que o respeito com elas - nós - deve existir sempre, pois afinal, como cantou a Pitty baseando-se no que ele disse lá atrás, quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra e que eu traduzo aqui como se você não for perfeito, que cuide da própria vida.
Já que falei da Pitty, ela canta outra música que diz “te vejo errando e isso não é pecado, exceto quando faz outra pessoa sangrar”, entendo assim, se o que você faz da SUA vida não desrespeita outrem - seja relacionamentos seus ou dos outros - como traições e coisas do tipo, você não tem que se culpar. Não, você não é uma biscate por ter amizades masculinas - no meu caso, por exemplo, eu tenho e exijo muito respeito entre minhas conexões de amizade, meus amigos não são parceiros sexuais, caras que eu beijo, são amigos, apenas amigos, corrigindo: muitos deles são como irmãos para mim.
Será que é pedir demais poder não viver em solidão? Não ser condenada a, além de viver longe da família e das amigas da vida toda, não poder ter amigos também? Será que é pedir muito que se eu quiser fazer amizade seja com um mendigo ou com alguém da high society, seja com hetero ou bi, trans, homossexual etc., seja com a virgem da igreja seja com uma garota que já pegou geral, seja com mulher ou com homem me deem paz, cuidem das próprias e medíocres vidas e me tirem as grades do preconceito, do julgamento, da mentalidade fechada, do retrocesso? Será?
Escrevi uma poesia cujo título é Bruxas, um protesto feminista a respeito das nomenclaturas que nos dão quando não nos trancamos em casa, isoladas do mundo e de tudo o que ele tem a nos oferecer, nos submetendo a vidas ainda mais medíocres do que os que nos julgam, sem voz, sem vida, sem liberdade… Liberdade esta que compõe o título deste texto, porque é assim que muitas vezes me/nos vejo: grandes mulheres querendo conquistar o mundo, donas de si e dos seus destinos sendo massacradas pela sociedade que é tão evoluída quanto aquela que denominavam bruxas esse tipo de mulher - mulherões da porra. Por mais que eu tenha sofrido muito - tanto que decidi escrever esta carta como um desabafo -, eu quero me dar o respeito que a sociedade não dá, quero passar na rua e poder dizer bom dia com um baita sorrisão, valorizar os poucos amigos que tenho independente de gênero, estado civil ou orientação sexual, quero respeitar o meu coração puro e honesto, a mulher que me tornei precisa ser valorizada por quem ela realmente é, pela sua garra e honestidade, pela sua mania de querer ser mãezona de todos, de querer espalhar gentileza, risos e boas vibrações: e se o mundo à volta não puder me oferecer o respeito e o valor que mereço, eu não sinto muito, porque a mulher que eu estou me tornando tem empatia o suficiente para o perdoar e seguir com o foda-se ligado para sua mediocridade, maldade e torcida contrária…
São os quase que nos destroem, mas hoje eu quero destruir o quase que tem acompanhado a minha liberdade de ser eu mesma, de existir como eu considero certo, de viver aquilo que eu mereço - não de acordo com os paradigmas sociais que me são impostos, mas de acordo com quem a minh’alma é -, de seguir sorrindo independente dos rótulos que tentarem me colocar…. E, se por ser dona de um coração e uma coragem raros o mundo for me chamar de bruxa, eu nem vou escutar: seja bruxa, seja livre, eu só quero voar!