UMA CARTA PARA MEU PAI

Querido, Painho

Queria eu poder expressar por palavras toda a gratidão que sinto aqui dentro do peito, guardo na minha memória o tempo de criança em que o senhor cuidava de mim. Não sei bem ao certo a idade que eu tinha, ao descrever essas lembranças, embora seja tão nítida que quando fecho os meus olhos consigo visualizar tão claramente, que parece que foi hoje.

Lembro-me daquele dia em que o senhor com seu radinho de pilha (ouvido à radio Globo, é, eu me lembro!), deitou-se em uma esteira em frente da casa (por que naquele tempo podia se fazer isso), e me colocou entre seus braços, enquanto, ouvido o rádio, nós admirávamos a imensidão do céu com suas estrelas piscando como uma bela árvore de natal, e sentia suas mãos acariciando meus poucos cabelos; sim, era pouquinho, porque a lembrança que trago é que estaria na primeira fase da minha vida, uns três a quatro anos, talvez.

Aos poucos muitas memórias se perderam, mas sei que na minha infância, também pouco foi o nosso convívio, a vida aqui onde morávamos, que ainda continua sendo a minha até hoje, não era nada fácil; então, como tantos nordestinos, também precisava partir para poder suprir o sustento da nossa família.

Eram dias de saudade... felicidade quando chegava uma carta, trazendo notícias suas! Ficava na ansiedade e ouvia atentamente cada palavra que mainha lia para mim. Sentada no banco ou na porta da cozinha, era como uma história de uma princesa, esperando o seu príncipe chegar.

Os meses e tinha época que eram anos longe de casa, a saudade só aumentava; quando o senhor chegava, normalmente de madrugada, pulava da cama e corria para seus braços, com a imensa alegria que mal cabia no meu peito.

E a tristeza tomava conta todas as vezes que tinha que partir. O choro, a solidão, dias sem se alimentar, ao ponto de ficar fraca e sem forças.

E, foi assim, uma boa parte daquela infância... idas e vindas, encontro e desencontros. Em cada chegada sua um ensinamento - o amor e respeito pelas pessoas, o amor pelos animais, o amor pelas coisas simples e bela da vida. O senhor foi o primeiro homem pelo qual me apaixonei, e, também o primeiro que me feriu, sim, por que o tempo passa e a cada degrau que ganhamos maturidade começamos a entender que o perfeito também não existe, e o que antes era um super-herói, também tinha suas fraquezas.

A minha adolescência chegou, e eu não era mais a favorita, apesar de ser filha única, aquele distanciamento tão brutal, que por muito tempo me perguntava o que ouve, aonde eu tinha errado. Aos poucos fomos nos perdendo, aquele olhar doce e singelo foi-se esvaindo pelo caminho.

Hoje eu acredito, que não foi a falta de amor, mas o não saber lidar com os seus próprios conflitos, e na época eu era muito imatura para entender isso.

Engraçado, nunca ouvi um Te Amo, apesar de por muito tempo, sentir essa palavra nos seus atos (nas brincadeiras, nas lições, no momento das milhões de crise que tinha quando criança, eu era muito doente). E isso me afetou quando cresci. Não era mais a princesa do papai.

A fase adulta chegou, cheia de seus problemas, lembro-me do dia que levei meu primeiro namorado para conhecê-lo. Estou vendo sua cara de insatisfação, nunca saberei se era ciúmes por saber que sua filhinha agora já era uma moça, ou por apenas não saber lidar mesmo com aquela situação.

Ah! Painho quantas vezes nos perdemos...quantas vezes lutei para nos reencontrar ainda nessa vida. O quanto desejei o seu colo, nos momentos de tristeza, angústia, quantas lágrimas rolaram no meu travesseiro, simplesmente por desejar ser amada novamente por ti.

O tempo passa...e a nossa vida se distanciando mais e mais, e tudo desmoronou.

Lembro-me com muito carinho do nosso último abraço, foi na cozinha da casa onde morávamos, nessa época, minha mãe já não morava mais conosco, não suportou a dor de vê-lo se destruindo. Era onze horas do sábado do dia 03 de dezembro do ano de 2008. Quando meu coração apertou e com todo carinho e cuidado pedir que não saísse que ficasse comigo para o almoço. E veio a imensa vontade de abraça-lo, naquele momento me despir de todo o meu orgulho e o abracei fortemente, não disse nenhuma palavra, nada, embora sabia que seria o último abraço.

E foi assim, dois meses depois estava eu, juntamente com todos que te amavam, te sepultando, naquele sábado do dia 03 de dezembro, o senhor tomou uma decisão que o levaria para sempre para longe de nós.

E te perdoar meu pai, foi um processo, o senhor bem sabe. Foram dois anos, para entender e compreender que apesar de todas as decisões que o levou para o túmulo, o fez na intenção do melhor. O amor ofertado a mim quando criança, os seus abraços e beijos, as suas caricias na minha testa, o afago de um pai que cuida e protege, que me libertou da raiva que por um tempo nutria meu coração.

Hoje, agradeço por ter aceitado a missão de ter sido meu pai. E orgulho-me por ter estado 24 anos em tua presença. As lições que me foram passadas, estão guardas em meu coração e sempre colocadas em prática. Por que apesar de tudo, eu o amo. E onde estiver, sei que olhas por mim. Sinto a tua presença, e quando a saudade aperta olho para o céu, lembrando de quando criança admirava junto ao seu pai a imensidão das estrelas.