Oi Pai!

Hoje acordei pensando em você. Na verdade penso quase todo dia, de uma forma ou de outra. Você está sempre presente na educação da minha filha, através de coisas que faço e falo. A maior herança que me deixou, foi a honestidade e a retidão de caráter.

Chamava-me de "Russa", por eu ter um monte de sardas e cabelo vermelho quando pequena. Como eu sempre tive muita opinião e era muito brava, as vezes você me chamava de "Russa Ruim".

Pai, lembra-se quando eu era pequenininha e  tentou me ensinar a não "MENTIR?" Você vendia manteiga na feira, e um dia abrindo um dos potes, achou um buraco (a marca de um dedinho...). Então você me chamou e perguntou:
- "Quem enfiou o dedo na manteiga?"
E eu prontamente respondi: "A Maria Lúcia" (minha irmã).

Você sabia que eu estava mentindo. Então me sentou no colo, e fez uma longa apologia sobre a mentira. E disse que não iria me punir se eu dissesse a verdade, que eu tinha que aprender apenas que a mentira não era uma coisa boa. E você contava que eu estava sentada em seu colo com meus olhos enormes, fixos, olhando para você.
Então você perguntou novamente:
- "Então agora minha filha, me conte. Quem enfiou o dedo na lata de manteiga?" E eu... "A Maria Lúcia" (risos)
Pai...quantas vezes eu pedi para você me contar essa historia! Lembra-se?

Ou quando você na Pascoa comprou um ovo de chocolate para cada um de nos. E deu a falta do meu... Na época eu tinha 5 anos, e estava sentada no portão, virada para a rua. E você me perguntou: "Maria Inês, você viu um ovo de chocolate que o papai comprou?" Eu virei com o rosto lambuzado de chocolate até as orelhas e disse: "Não".
 
Quando moravamos em Ubatuba,  você me levava com você para o fundo do mar. E me ensinou a furar aquelas ondas enormes! Depois voltávamos nadando, os dois, ofegantes, lembro-me que eu via a areia da praia lá longe e ficava pensando se iriamos chegar. Você era destemido, e me ensinou a ser uma pessoa destemida.  Até hoje quando vou na praia, entro no fundão (para o desespero do Roque)  e furo ondas em sua homenagem.

Quando penso em você eu me lembro quantas pequenas coisas  me ensinou! E não me ensinou somente falando...mas fazendo. Pequenas (e tão grandes!) atitudes diárias. Hoje, nessa idade, como eu gostaria de tê-lo ainda aqui com a gente, e contar quantas coisas aprendi.

Quando estou cozinhando lembro sempre da sua arte em cortar a cebola, preparar uma salada especial de ultima hora, aquela sopa de verduras deliciosa no tempo do frio... o lagarto recheado com ovo e linguiça. Nossos almoços em casa eram ao meio dia. E você não abria mão desse horário, queria todos na mesa.

Dentre as lembranças que tenho, as mais significativas : levou-me ao Banco para ter meu primeiro talão de cheques; carregou-me para o Hospital em minhas crises de asma com a maior paciência, e quando voltávamos, ficava no meu quarto, sentado na beira da cama, segurando minha mão até eu dormir.

Eu o vi pela ultima vez em 2001. Estávamos no terraço da sua casa, e você estava misturando presente com passado... meio confuso, agarrado em sua caixinha de lembranças (cheia de fotos nossas quando éramos pequenos).
Lembro que eu quis trazer comigo umas fotos para escanear e você agarrou naquela caixinha como se fosse tudo que você tinha na vida. E me disse: "Não! não tire nada daqui! quando  eu morrer, você pode ficar com ela!".
Quando você morreu pai, eu recebi a sua caixinha. E ela está aqui, ainda com todas as fotos. E com todas as minhas lembranças desse dia. De suas palavras tão puras. De sua inocência. De seu olhar vago.

Beijo-lhe as mãos nesse momento, meu Pai. Hoje é seu dia. Mas na verdade, o seu dia é todo dia, quando lembro de todos os exemplos que nos deixou.

E agradeço muito por ter me dado a VIDA.
Bença, Pai!


 
Mary Fioratti
Enviado por Mary Fioratti em 08/08/2020
Reeditado em 09/08/2020
Código do texto: T7030037
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