Carta de mim para mim
  Sorriso, 23 de julho de 2020.
Olá, querida Ingrid!
Tudo bem com você?
     Você deve estar estranhando receber uma carta minha depois de tanto tempo, mas deixa eu te contar. Além da saudade que estou de você, o que me fez escrever foi uma tarefa pedida pelo curso de formação de professores que participo aqui da cidade que moro atualmente. Nela pedia que escrevêssemos uma carta para a gente mesmo, para ser lida no futuro, e que descrevêssemos como tem sido a nossa rotina de trabalho e de vida neste momento home office.
     E como você me conhece muito bem e sabe o quanto eu sou detalhista, pensa no tanto de coisa legal que eu vou te contar. Você nem imagina!
Menina, de uma hora pra outra tivemos que ficar todos em casa, em isolamento social por causa de uma pandemia que atingiu o planeta. Em casa eu fico com meu filho mais velho, Mateus, que veio passar esse período por aqui, porque a faculdade está sem aula. Tenho, também, a companhia de meu marido Marcelo, mas esse precisa sair todos os dias para trabalhar. O serviço dele não parou. E o fato dele sair todos os dias tem gerado uma preocupação a mais em todos nós. Mas, com os devidos cuidados, no final tudo dá certo.
     Muita gente teve que começar a trabalhar de casa. Uma mudança radical na rotina de todo mundo.
     Tudo iniciou na China com uma pandemia que rapidamente espalhou-se para o mundo. A pandemia foi causada por um vírus que foi denominado de Novo Coronavírus. E tem esse nome porque o Coronavírus já existia, e esse é uma mutação do primeiro. Já a doença, chama-se COVID-19, que debilita as pessoas que a contraem em um curto período de tempo.
     Está tudo uma loucura! É gente, adoecendo, morrendo, falta de leitos em hospitais. Estamos vivendo uma situação inimaginável anteriormente.
     E o mais dolorido é quando entre os mortos começa a aparecer nomes de amigos, conhecidos e parentes seus. Eu mesmo perdi meu tio mais querido, o tio que fez parte da minha infância e de muitos dos meus primos. Você deve se lembrar de quando já éramos adolescentes e ele se preocupava com os sobrinhos, ele queria que todos estudassem, não para ser melhor que ninguém, mas para fazer um mundo melhor. Ele era um socialista de carteirinha, que acreditava em suas ideologias e as vivia. Ele era o cara, né! [pausa para tirar o cisco do olho].
     Enfim, estamos vivendo uma infinidade de transtornos.
     O medo, a ansiedade e a insegurança têm tomado de conta de boa parte da população. O pior de tudo são as pessoas não respeitarem as determinações da OMS (Organização Mundial da Saúde). Acreditam em tudo que leem e assistem. Além de se arriscarem ainda arriscam a vida do próximo!
     Essa situação fez surgir uma nova moda em nosso país. As pessoas não saem às ruas sem suas multicoloridas máscaras. Umas, são uma verdadeira obra de arte, outras, nem tanto. Eu também tenho as minhas. Aliás, sair de máscara virou lei em praticamente todo o país, e como aqui é o Brasil, o difícil são todos obedecerem. O importante é cada um fazer a sua parte.
     Imagina como está a minha rotina de trabalho. Você sabe! Antes eram quarenta horas na escola, hoje, é tempo integral em casa. Tem sido um grande desafio! São muitas tarefas! Acredito que estou trabalhando umas três vezes mais. Desdobro-me nessa infinidade de coisas para fazer: planejamento, atividades, palestras e reuniões online, cursos, correção de atividades, atendimento aos pais e alunos por aplicativo no celular e todas as atividades de uma doméstica. Ufa! Cansei só de listar! A jornada tem sido árdua, mas vai passar.
     E para adoçar um pouco tanto serviço, pelo menos uma vez por semana tenho comprado os deliciosos bolos de pote que minha amiga Cidinha vende. É tudo sem glúten Pensa num bolo bom! Você ia adorar! Espero que um dia você a conheça. Além de uma doce amiga, ela é também minha formadora no Centro de Formação para professores que tem aqui na cidade.
     Mesmo com tantas atividades laborais, tenho aproveitado este período em casa para fazer coisas que gosto e que há tempos não me dedicava. Vou te falar algumas delas: leitura de muitos livros, curso de atualização no teclado, meditação mais constante, invenções de receitas culinárias (nessa parte você sabe que nunca gostei de cozinhar, e continuo não gostando, só para registrar), trabalhos em crochê (as encomendas não param) e uma coisa que eu considero a mais importante de todas. Eu retomei a escrita em minha vida.
     Isso mesmo! Voltei a escrever. Lembro que você gostava muito do que eu escrevia, dizia que eu falava com a alma e que isso lhe causava gostosas sensações. Então... Dentro dos meus versos tenho encontrado a minha melhor companhia. Tem me feito muito bem! Só o pessoal da minha casa que acha que eu sou meio maluca. Dizem que sempre tenho algo para fazer, parece que nunca está demais. E, se eu te conheço um pouquinho, sei que deve estar pensando como eles. Mas eu realmente não acho que está demais! Tá bom pra mim! E olha que só listei algumas coisas que estou fazendo [risos]. As outras quem sabe te conto em uma próxima carta ou quando nos encontrarmos. Sei que está rindo agora! Eu te conheço...
     Olha, vou te contar! Essa questão de trabalhar em casa e dar conta de muitas outras tarefas, não tem sido tão ruim! Para mim tem sido muito vantajosa. Além de ter tempo para estudar muitas coisas que eu gosto e antes não me sobrava tempo para isso, posso fazer uma viagem ao meu interior e encontrar o meu verdadeiro eu. Nesse passeio por mim mesmo, percebo o quanto é importante estarmos juntos e quanta saudade tenho sentido dos abraços, dos alunos, dos colegas, dos amigos e da vida fora de casa. Você sabe o quanto eu sou chameguenta. Como você dizia: ”você é grude, grude, doidinha”! E não adianta achar ruim, porque eu vou continuar assim! Carinho nunca é demais!
     Posso dizer que não sou uma pessoa muito ansiosa, o único dia que sinto uma pitadinha dessa danadinha da ansiedade é quando eu preciso ir à escola buscar atividades para corrigir. Mas isso também vai passar. Diferentemente de muita gente que está tendo crises de ansiedade e outros transtornos, o que eu tenho sentido é muita, mas muita saudade das companhias e das boas risadas. Você me conhece e sabe o quanto eu gosto de rir.
     Sei o quanto você gosta de ler e o quanto gosta de mim, mas essa carta já está ficando grande demais. Não que tenha acabado o assunto, mas acho melhor ir parando por aqui.
     E, olha só! Acredito no poder da ciência e que nada acontece por acaso. Já, já isso vai passar. E tudo vai ser mais uma história para a gente contar. Espero que não demore muito o nosso reencontro. Fica bem e nunca se esqueça: o mais importante da vida é ser feliz. Nascemos pra isso! Até breve, Guinga!
Abraços, Ingrid Mohr.
Ingrid Mohr
Enviado por Ingrid Mohr em 25/07/2020
Código do texto: T7016782
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