Desabafo sobre um desabafo
Me impressiona a capacidade de julgamento das pessoas, e mais ainda a prática de justiça pelas próprias mãos com aquilo que é sagrado ao coração de alguém. A busca pela justiça, a espera do tempo passar para se curar e perdoar ou o falar sobre situações constrangedoras é uma decisão íntima e pessoal que merece respeito. A história de alguém não é novela ou folhetim para se sair comentando, ou se decidindo o que é certo ou errado ao outro, pois isso só cabe a cada pessoa, em sua individualidade de decidir.
Às vezes é necessário falar e colocar para fora aquilo que incomoda. Contudo, ganhar a confiança de alguém para esse processo, para essa etapa da história, não significa permissão para interferência, para a ação e busca de soluções que vão piorar ainda mais a situação, ou trazer mais problemas e desconforto a quem está buscando um caminho de paz.
Às vezes é necessário silenciar as próprias dores ou alegrias, para compreender a própria história, ou mesmo para esquecer o que se passou. Assim como se deseja respeito ao próprio tempo, o tempo do outro também deve ser respeitado.
O certo é que cada pessoa sabe o tamanho do passo que aguenta dar a cada dia. Às vezes será preciso dar passos para trás, para que passos para frente sejam dados, mas não compete a ninguém determinar o passo do outro e muito menos a direção de sua história.
Por amor, tenta-se justificar a interferência. Contudo, nem todo o amor do mundo dá permissão para invadir a decisão de alguém que esteja em plena situação de suas capacidades de decisão, e esteja ciente dos seus atos e vontades. Não é permitido tomar as dores de alguém e querer decidir sua forma de resolver as coisas, indo contra a sua vontade pessoal, por mais que a situação pareça séria. Cada pessoa tem seu tempo.
Conhecer partes da história da vida de alguém não significa conhecer a sua história por inteiro, muito menos suas emoções e sentimentos, suas motivações e superações. E nem tão pouco define a história, o caráter, os erros e os acertos de quem caminha com esse alguém. A recontagem de histórias recortadas alteram os contextos, os personagens, enfim, a vida de alguém.
Talvez a religião, o conhecimento de psicologia ou outras áreas de conhecimento, a experiência de vida ou a passagem por situações semelhantes, te façam acreditar ter a voz da razão sobre os acontecimentos dos quais você teve ciência. Contudo, ainda assim, não lhe cabe o julgamento, a determinação sobre o certo ou errado diante de um simples dado.
Até mesmo um juiz, na difícil missão de condenar ou absolver, se mune do máximo de insumos possíveis antes de determinar a sua sentença. E mesmo assim, pode errar na sua decisão e reconsiderar.
Se você acredita em Deus, quando se fala de Deus, se fala em misericórdia, em um julgamento proveniente do amor dele, que é diferente de qualquer relação humana. Logo, como pode o homem determinar que uma decisão de alguém, certa ou errada, o condene ao inferno, e dizer que satanás vai beber o sangue da pessoa e de toda a sua família. E ao final do discurso, ainda dizer que isso não é julgamento.
Quando alguém se corta, é sabido que precisa-se de antisséptico, de curativo e outras coisas. Quando alguém tem sua alma ferida, tem sua história machucada, não cabe a qualquer um determinar o remédio. Cada pessoa tem seu próprio tempo de enfrentamento e de superação. E isso precisa ser respeitado e não atropelado com julgamentos, intromissões e fofocas.
Falar ou não falar sobre sobre suas dores é uma escolha, uma decisão, que precisa ser respeitada. A forma de falar, a forma de resolver, a forma de buscar caminhos é uma escolha, uma decisão, que precisa ser respeitada.
O silêncio ainda é o melhor recanto de paz! Aquilo que não é dito afeta somente a quem silencia e à sua liberdade de permanecer com seus segredos guardados!