Carta a Belchior
Porto Alegre, 3 de junho de 2020
Caro Belchior,
Eu te escrevo porque o sangue latino-americano ferve em minhas veias e o desespero – que era moda em 76 – é tendência retrô em 2020. Inquieta-me pensar que as minhas palavras possam cortar a carne daqueles que as leem. Contanto, o teu canto torto tantas vezes me cortou. O teu canto me foi ferida, sal e cicatriz. Eu procurei escrever palavras limpas, mas o teu canto me disse que as palavras são navalhas. E é nelas que despejamos o que nos fere e a história que a humanidade escreve. Em 2020, nos fere a falta de empatia e de igualdade. Nos fera a noção de que somos pequenos, quase insignificantes. E quem mostrou isso foi um vírus. Sinto medo e eu sei que você entenderia, pois a nossa alucinação é o dia a dia e o delírio coletivo é a experiência com as coisas reais. Entretanto, amar e mudar as coisas, ainda é o que me interessa mais.
Obrigada por cada letra.