O Regresso

É chegada a hora de voltar, e só de pensar a ansiedade me consome. As horas passam mais rápidas que de costume e sinto que já não há tempo a perder. Tudo que de importan-te esses anos me proporcionaram estão cuidadosamente guardados em pequenas saco-las, mas parece tão pouco. As paredes brancas com pequenas marcas, os móveis cober-tos por tecidos, de nada sinto pena por deixar. As chaves caem das mãos vezes seguidas molhadas de suor frio. Devo desistir uma vez mais?

Percebi a intensidade do tempo olhando meu reflexo no espelho, tempo suficiente para trazer marcas ao meu rosto e uma expressão mais séria e apática. Por onde andei todo este tempo?

Observando as mudanças da paisagem, os prédios seguidos de pequenas casas e por fim o verde predominante que me sinto mais próxima do meu lugar. Quase consigo sentir as gotas de orvalho sob as folhas aveludadas, tomadas pela cor vibrante, repletas de vida. A Sensação de paz toma conta da minha alma, quanta saudade eu sinto de olhar o nascer do sol pela janela, do cheiro do café fresco e do canto feliz dos pássaros a cada dia. Cada metro mais perto é uma corrente que se rompe, mas o que farei quando realmente estiver livre?

Impossível não se lembrar da primeira vez em que estive lá. A euforia de conhecer cada local, cada pessoa, o desejo de ser aceita e finalmente fazer parte de algo verdadeiro. Nosso lar é o lugar que preenche nosso coração e nem sempre é onde permanecemos. Mais do que nunca eu preciso voltar para o lugar que me escolheu, que preencheu as la-cunas da minha existência e que trouxe paz pelas lembranças nos momentos de maior dor. Será que serei reconhecida? Meus cabelos eram acobreados, alisados de maneira forçada, rosto jovial com bochechas rosadas, olhos profundos sempre delineados, eu me parecia mais alta, corpo mais esguio. Ouvi por vezes que era impossível não ser notada, mas ao chegar percebi que me tornei invisível.

Como explicar as sensações transformadas em lagrimas, aflorando e embaçando minha visão, todo amor vindo à tona como um nó na garganta difícil de ser desfeito. Para onde eu devo ir? Será que alguém ainda olhará em meus olhos e perceberá quem sou eu? Meus cabelos não são os mesmos, meu rosto também não, afinal os anos passaram e de certa forma nem eu mesma me reconheço, mas eu preciso estar aqui.

Não é apenas sobre sentir-se bem, é buscar ser o que não fui por medo. Este lugar é Ca-ledônia para mim, onde eu tive o prazer de viver os melhores momentos de uma vida de sonhos. Eu consigo me ver mais nova, nessas mesmas ruas, desfilando com um sorriso contagiante de mocidade, dançando na chuva com roupas coladas e sendo amada. Foi aqui que me arrisquei ser feliz e onde fui.

Será que meu amado ainda está por aqui? Consigo ver as pinceladas resistentes ao tem-po marcando construções quase abandonadas, lugares que presenciaram nosso amor e dos quais sou grata por ainda existirem. Quanto conforto e quanta dor um lugar pode nos proporcionar? Sei que tenho muito a enfrentar e mais ainda a caminhar... é hora de deixar este carro e sentir o calor da terra nos pés, deixar que a energia penetre em minha pele e não permitir que a fadiga me impeça de seguir.

Há tempos ouvi que muitos lugares mudaram por aqui. Mas o ar tem o mesmo perfume, o mesmo frescor, as nuvens parecem tomar formatos mais belos sob estas terras, é o meu lugar magico. Não sinto as dores nem o cansaço persistente dos dias anteriores, seguir é prazer. Posso ver novas construções em um trajeto que antes era apenas pastagem. Sinto que estou perto de onde preciso chegar.

Novas lagrimas molharam meu rosto ao chegar. Não havia mais todas as pedras, ou arvo-res nem o gado que insistia em dividir espaço comigo. É dolorido ver que muito de mim se foi. Caminhando um pouco mais, com sapatos nas mãos e agora sentindo a grama alta e seca nos pés encontrei uma das pedras, talvez a minha preferida, imaculada com o tempo envolta a um mato alto que parece defendê-la. Com dificuldade, sentindo talvez os refle-xos da idade consegui subir. A diferença de altura entre ela e o chão não é tão grande, pa-rece até mais baixa do que antes, mas ali em cima, avistando a cidade ao longe, o rio e sua mata ciliar logo abaixo e o céu sobre mim eu senti que realmente havia voltado para casa, o calor que o sol me transmitia era como um desejo de boas-vindas e uma fonte de energia necessária para o que estaria por vir.

Eu sinto que poderia passar todos os meus dias entre olhar as nuvens e contar as estrelas naquele lugar. Foi ali que senti sua presença, forte e única, como quem estivesse em mi-nhas costas, me observando e me aguardando de braços abertos para me receber. Onde está neste momento, não sei dizer, mas sei que já sentiu minha presença e que cedo ou tarde vamos nos encontrar.

Eu cheguei, e saiba que não partirei enquanto não compensar a nós dois por todo tempo perdido.

Córdia
Enviado por Córdia em 16/07/2020
Código do texto: T7007307
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