Quando se fala de suicídio
A todos os Pedros e a todas as Marias
“Todos temos prazo de validade
Todos sem exceção
Todos duramos o tempo que nos está predestinado
Nem que seja aquele tempo que nós escolhemos “
O suicídio é tabu nesta sociedade, tal como a morte da qual procuramos insaciavelmente respostas sem na verdade querermos saber o que está lá para lá daquela porta ou daquela linha que nos separa.
É uma palavra que me acompanha desde criança
Acompanhou-me a vida inteira e levei anos e anos a entender o porquê, a entender se seria um ato de cobardia ou de coragem, e apenas descobri que não se julga.
O ato em si é um ato de amor aos outros e de desamor a si próprio, é a perda entre a confusão e o encontro do equilíbrio, entre o escuro e a noite, entre a mordaça e o grito, que normalmente é altamente pretensioso e silencioso, é exclusivamente seu.
Muitas vezes a dor é tão profunda em que tudo é visto em penumbra e fundo de garrafa, é tão fundo quanto um corte que nos sangra até à morte e aí não há nada que nos reste por aqui, só se vê um nada infinito.
Mesmo escondido em gargalhadas sonoras
Mesmo escondido num esboçar de um sorriso ou num olhar aparentemente cheio de luz.
Aparenta vida e só vêm luz na morte, porque sabem que a vida é contínua e as pessoas esquecem, porque a vida é assim…A vida é assim e anda tão cheia de vazio, e com tantas curtas respostas.
O pensamento na morte não é uma doença, por vezes é o encontro de uma solução, porque aqui quando não há, procura-se lá fora, como os imigrantes quanto não refletem o seu trabalho por aqui voam para fora.
Mas a terra é redonda, e aquilo que se vê vai exatamente ao encontro do mesmo lugar…
É desespero
É mais do que solidão…
É mais do que impaciência ou incredibilidade
É mais do que amor aos outros
É não sentir a carne ou sangue, perdição.
É tabu, não é doença mental, por vezes vive disfarçada em beleza, em riqueza, em fama, em alegria e em enorme luz.
Vivi na minha vida a ausência de quem escolheu saltar a margem sem esperar o fim da sua estadia, ou não! Talvez tivesse predestinado o seu momento de escolha, o seu castelo cheio de pedras que enfim desmoronou, ou apenas porque o corte era demasiado fundo para sobreviver.
Os dias continuam, a vida irá refazer-se, os dias deixam de passar um a um até passar num ápice e todos desta geração estarmos juntos, e aí quiçá acreditar que nos voltaremos a ver, a abraçar, a amar, mesmo quando esquecidos.
Não está enraizado no corpo, muito menos nas mãos, está traçado nas linhas, e cravado em feridas abertas ou crostas da alma.
Pensei em morrer dezenas vezes, não encontrava saída mesmo quando tudo brilhava, quando se encaminhava, quando teria mil e uma razões para ser feliz , e mesmo quando me perguntavam porquê, eu respondia sempre o mesmo, que não sabia, apenas que havia um enorme vazio que me acompanhava como uma sombra constante, uma penumbra e uma vontade absoluta de chorar num canto, sozinha, sem penas, sem vitimas, sem mordaças.
Recordo-me que aos trinta anos, tive uma enorme crise, durou meses, talvez anos, um misto de exaustão e de solidão no mesmo grau, no mesmo plano, uma auto- estima arrasada, um buraco sem fundo, um infinito de cores neutras, em que sobrevivi a muito custo, e mesmo com a força de um grande amor que me arrancou do fundo do mar e me trouxe à tona até não conseguir enfrentar a luz do sol e sentir que definitivamente queria viver.
Detesto poucas coisas
Aprendi a apreciar tudo de uma outra forma, embora saiba que vivo constantemente numa linha que nos pode trespassar em dez segundos, somos demasiado frágeis mesmo quando aparentamos o contrário, porque nós somos perante os outros apenas o que desejamos mostrar, temos uma enorme capacidade de ocultação, de transformar o vácuo num barco cheio, uma noite em dia.
Aprendi a não cobrar, mesmo quando me cobram
A não julgar mesmo quando me julgam
A sorrir mesmo quando não o fazem
A falar mesmo quando me olham em silêncio
Aprendi que enquanto aqui estiver, dou o que tenho, mesmo que pouco, mesmo quando não recebo.
Aprendi a aceitar falhas dos outros como tenho as minhas…
Frágeis. Vulneráveis…
Porque nem sempre tenho coragem de ser a esponja
Nem sempre tenho rasgos que me faça pegar no telefone e atender
Nem sempre respondo
Porque a minha vida é igual a milhares de outras, e a correria é insensata, mas existe para que chegamos a tempo mesmo que não saibamos onde.
Tantas chamadas que não me foram retribuídas
Tantas mensagens sem resposta
Tantas cartas e textos sem uma palavra
Tantas e tantas coisas que a vida precipita e nos tira
“MORRER É SÓ NÃO SER VISTO” como Inês de Barros Baptista escreveu.
No sábado foi o Pedro, no dia anterior alguns outros, há uns anos a vizinha da frente, a mãe de uma pessoa que estimo imenso e que hoje tem uns extraordinários vinte anos, antes, muito antes a Ana amiga da família, e por fim dentro das minhas quatro paredes.
Aprendi a crescer sem…
Que interessa entender?
É um poço, e afinal quem consegue ver o fundo do poço quando o espreita?
Não há palavras
Não há sentido
Apenas fecho os olhos uns segundos e penso: “Morrer é só não ser visto”.
Até sempre Pedros e Marias
Hoje usei e aproveitei os nomes
Apesar da alma, da história, e do sangue que deixaram em nós próprios e outros nos deles…
Lamento não estar em todos os lados que desejava, mas por vezes já segurar-me sozinha é tão difícil.
Porque tudo é um ápice, tudo é tão rápido, há que sorver a vida
Como se de o último minuto se tratasse.
É importante tratarmos dos outros
De nós.
Trata-se apenas de AMOR.
Joana Sousa Freitas