Ao meu irmão e presidente da Fundação Palmares, Ilustre Sr. Sérgio Camargo [sobre o Movimento Negro como "escória maldita"],
PAZ!
Ilustre Senhor Presidente,
O Estado, que eu sei que o Sr. sabe, não representa o movimento negro espontâneo e organizado em seu mais amplo espectro e com suas naturais e inevitáveis contradições internas; bem como não representa, muito menos ainda, nenhum antimovimento negro. Ou seja, o Estado é o que é: Estado. Repito: O Estado não é pró nem contra, não promove nem combate nenhum movimento ou organização social legal; mas é tão somente o garantidor dos direitos da existência e do desenvolvimento de tais mecanismos naturais de um sistema democrático – o qual o Sr. e o presidente ao qual se refere não reconhecem como legítimo, preferindo subordinar os princípios fundantes e sustentadores deste a convicções pessoais ou dogmas (seja de ordem religiosa ou política), segundo suas preferências e conveniências.
Não há nada, a meu ver, de ilegal ou ilegítimo no não reconhecimento da legitimidade e da utilidade dos movimentos negros – como de qualquer outro – por parte d e V. S. Ao fazê-lo, estás apenas a exercer o seu direito constitucional de livre escolha e posicionamento. Mas o personalismo na administração pública não encontra guarida em nenhuma parte de nossa Constituição Federal ou na legislação infraconstitucional; muito pelo contrário, é peremptoriamente vedado por ambas.
É legítima, repito, vossa contestação e a oposição ao estabelecido, consolidado e publicamente reconhecido movimento negro no Brasil. Da mesma forma que há o negro, não configura nenhum crime haver outros movimentos inclusive o [movimento] antimovimento negro. O Estado, no entanto, não deve usurpar essa função, que é exclusivamente da sociedade civil organizada.
Não há nenhum impeditivo, Sr. presidente da Palmares, repito, ao seu propósito de combater o movimento negro no Brasil (ou até em Marte, se assim achar necessário). Tenha, no entanto, a dignidade e a hombridade de fazê-lo na condição de pessoa e militante social! Não seja tão mesquinho, tão pequeno e tão covarde! Não apequene e amesquinhe ainda mais o já apequenado Estado brasileiro. O Brasil pode até merecer, mas não precisa de tamanho aviltamento. Se não consegues colocar-se à altura do movimento negro, não tente rebaixá-lo à sua! Queres lutar para defender seus estrábicos posicionamentos pessoais, assuma-se! Saia do armário estatal! Tenha dignidade! Venha pro fronte – independentemente do lado que resolvas guerrear –, mas não afane as atribuições do estado para exorcizar suas frustrações!
Se repudio sua fala – que nada mais é do que uma extensão de sua pessoa? Não! O repúdio é algo que requer significância existencial do objeto ao qual se lha dirija; não é o caso.
Exijo reparação na forma legal? Em parte, sim. Mas desejo mais, muito mais! Desejo que, não muito distante dos tempos em que vivemos, pessoas como eu e você, com visões diametralmente opostas sobre um fato comum possam continuar sendo apenas isso: pessoas com pensamentos opostos sobre o mesmo fato; e que o Estado seja aquilo que a Constituição e as doutrinas do pensamento ocidental moderno definem: um mediador do contrato social, não uma birosca, um puxadinho de família para abrigar seres medíocres, frustrados, cuja luz que emana do brilho alheio os apavora mais do que as penumbras que o envolvem.
Esperanço – e lutarei todos os dias da minha vida por – uma sociedade que, de fato, entenda a epistemologia desse termo e, por conseguinte, tenha como desiderato a aplicação prática da recomendação do Jovem Mestre, a quem o governo o qual o Sr., subservientemente, compõe tão constante e levianamente invoca; uma sociedade onde “joio e trigo possam CRESCER juntos”.
(Claudio Chaves – Professor).