E não me venhas dizer que está tudo bem
Escrevo-lhe esta carta já que tu não te fazes presente há muito tempo. Devo contar-lhe que eu estou há muitos dias isolada no Convento de Santa Maria, a esperar o dia em que posso sair de meu quarto tranquilamente. Vivemos tempos difíceis, meu amado, de pessoas que estão a morrerem à míngua do esquecimento e outras a morrerem porque não sabem quando poderão ter um amanhã. Só posso dizer-te que a vida parece está cada dia mais triste.
Sozinha e isolada, vejo da janela de meu quarto uma vida com poucas pessoas. Algumas voltam do centro para buscar alimentos para os entes bem-amados, outras nem sabem o que um alimento e teto, e por fim tem aqueles que preferem desafiar os dias de guerra, como se a vida estivesse para primavera. Ao ser mais honesta a ti, pergunto-me qual a coragem destas pessoas de pararem num leito de um hospital à beira do esquecimento e da amargura? É possível que eles estejam a ouvir os falsos profetas que garantem que tudo isso não passa de um castigo divino contra aqueles que “desafiarem Deus com os livros” e que a cura milagrosa está no dizimo de cada dia. As freiras do convento ficam estarrecidas com a tamanha audácia destes “profetas” que chegam a pedir perdão ao Senhor por todas estas almas mal intencionadas.
Meu amor, eu não tenho ideia de quantos dias eu ficarei isolada em meu quarto, a ver os dias da janela e o relógio da parede parado e sem badalar a cada uma hora. Tu não imaginas o meu sofrimento por não poder sentir mais aquele teu abraço, a entrelaçar o meu corpo com o teu sem ter a certeza de que nós estaremos bem. Estaremos em paz em algum amanhã? Enquanto escrevo esta carta a ti, ouço-lhe a dizer que tudo ficará bem e que eu devia ao menos respirar um pouco do ar das ruas, mesmo protegida da guerra. Querido, a vida não aqui está fácil e talvez onde tu estejas pareça estar mais calmo como o Mediterrâneo. E, por favor, não me dizer que está tudo bem, respeite-me neste momento, assim como respeito-te ao direito de tu sentires a vida pelos ventos.
Amado, esta uma carta pequena e sem muitos detalhes. Os dias tem sido iguais e somente dedicados ao meu lar. Uma boa leitura e um terço têm me feito estar mais tranquila aqui no convento e mande-me notícias, eu gostaria de poder teus escritos e tua alma nas entrelinhas.