PAI, JÁ LI ATÉ AS CAPAS DE TODOS OS LONG PLAYS...
Filha, querida:
Você nasceu no último quadrante do século vinte, portanto na época em que ainda predominava o analógico. Em minha memória, hoje, a felicidade de ter acompanhado seus passos nos primeiros dias de escola. Segurando suas mãozinhas, eu e sua querida mãezinha - dois orgulhosos malucos, sonhadores e insensíveis quanto ao seu futuro. Até recordo o nome do educandário, na Tijuca, Rio de Janeiro: “Mundo Infantil”, que tão bem lhe instruiu e me abriu os olhos para minha responsabilidade de semelhante instrutor, incipiente ou tímido educador.
Lembra que a gente ia a pé para a escola? Era só atravessar
a avenida Maracanã... E você me guiava: “vermelho”/“verde”, “olha prum lado e pro outro”, “vamos!”, “corre, "tá amarelo!”...
Você, com seis anos, teve que largar aquele seu novo
“Mundo”, ainda em idade “Infantil”, e rumar de volta para o
Nordeste. Você, sua irmãzinha maior (Raïssa) e a caçulinha
(Ana Emília), todas queriam, pediam e exigiam morar mais
perto da vovó, como antigamente.
Certa vez, rezaram para que isso acontecesse . . .
e Deus lhes escutou.
Colégio Dourado, Recife. Em paralelo ao ensino fundamental,
estudo de piano com a professora Zenilde, em Boa Viagem.
Notas excelentes (no colégio) e tocantes (no teclado em casa) Meu orgulho de pai se via e se ouvia. Exatamente aí,
começaram minhas viagens pelo país, a serviço do Banco que até hoje nos garantiu status e sobrevivência. A cada viagem minha, livretos e revistinhas. Coisas que você devorava e decorava. E eu achava até que já lhe cansava.
O tempo foi correndo, você crescendo, e comecei a imaginar
o tipo e qualidade dos presentinhos. Quem sabe, um joguinho recreativo ou alguma coisa bonita vista na vitrina de uma loja de vestuário. Algumas vezes, um LP dos sucessos recém-lançados. Mudei. Achei que, quanto mais supérfluos e sofisticados, mais os presentes seriam notados (por você e suas irmãzinhas).
Péssimo educador: dei mais atenção e tentei repassar para as três, erroneamente, minha mentalidade consumista. Viajei...
Em 1981, estava em missão na agência Valparaíso (SP).
Você ainda pequeninha. Lá recebi, com a felicidade de
sempre, uma cartinha sua. Envelope colorido, bem lacrado
– que era pra ninguém violar nossos segredos –
e, dentro, um papel de carta perfumado e cheio de nuvens,
sóis e estrelinhas. Em meio a esses desenhos todos – escrito
e bem miudinho –, o seu recado ocupando somente, tão
somente, uma linha:
“PAI, JÁ LI ATÉ AS CAPAS DE TODOS OS LONG PLAYS”...
Para um pai entendedor, meia cartinha basta..
Caí das nuvens.
Mudei. Você também: laureada na conclusão do ensino médio do Colégio Atual, graduação e mestrado em arquitetura na UFPE, dedicação ao trabalho e muito trabalho, casamento com Rafael, agrônomo (urbano) e teatrólogo, mais dois filhotes maravilhosos: Sarah e Ibrahim.
Não faz muito tempo, abraçando Sarinha num seu aniversário, perguntei o que ela estava lendo. Ela me relacionou, orgulhosamente, 39 livros (apenas 6 livretos), dizendo que já havia lido todos eles. E comentou autores dos quais eu já nem me lembrava... Vergonha!...
Aí, filha, lembrei-me de sua mania desde cedo em leitura, e
ousei lançar uma pergunta à sua filhinha, naquele dia minha querida aniversariante:
“E QUANTAS CAPAS DE LP VOCÊ JÁ LEU?”...
Caí das nuvens de novo.
Esqueci de que o mundo dela é digital.
Só acordei para a realidade quando a vi sussurrar
em seu ouvido:
“MAMÃE, O QUE É LP?”...
................................................................
Vera Chris, acordei hoje fazendo esse download em nossas vidas. Vi como têm sido boas nossas interações, tendo você como meu guia!... Parabéns, filhinha, pelo seu aniversário, com mais de mil beijos analógicos, sem DELETE, sem ESC e sem ENTER. (fernando).
.................................................................
Filha, querida:
Você nasceu no último quadrante do século vinte, portanto na época em que ainda predominava o analógico. Em minha memória, hoje, a felicidade de ter acompanhado seus passos nos primeiros dias de escola. Segurando suas mãozinhas, eu e sua querida mãezinha - dois orgulhosos malucos, sonhadores e insensíveis quanto ao seu futuro. Até recordo o nome do educandário, na Tijuca, Rio de Janeiro: “Mundo Infantil”, que tão bem lhe instruiu e me abriu os olhos para minha responsabilidade de semelhante instrutor, incipiente ou tímido educador.
Lembra que a gente ia a pé para a escola? Era só atravessar
a avenida Maracanã... E você me guiava: “vermelho”/“verde”, “olha prum lado e pro outro”, “vamos!”, “corre, "tá amarelo!”...
Você, com seis anos, teve que largar aquele seu novo
“Mundo”, ainda em idade “Infantil”, e rumar de volta para o
Nordeste. Você, sua irmãzinha maior (Raïssa) e a caçulinha
(Ana Emília), todas queriam, pediam e exigiam morar mais
perto da vovó, como antigamente.
Certa vez, rezaram para que isso acontecesse . . .
e Deus lhes escutou.
Colégio Dourado, Recife. Em paralelo ao ensino fundamental,
estudo de piano com a professora Zenilde, em Boa Viagem.
Notas excelentes (no colégio) e tocantes (no teclado em casa) Meu orgulho de pai se via e se ouvia. Exatamente aí,
começaram minhas viagens pelo país, a serviço do Banco que até hoje nos garantiu status e sobrevivência. A cada viagem minha, livretos e revistinhas. Coisas que você devorava e decorava. E eu achava até que já lhe cansava.
O tempo foi correndo, você crescendo, e comecei a imaginar
o tipo e qualidade dos presentinhos. Quem sabe, um joguinho recreativo ou alguma coisa bonita vista na vitrina de uma loja de vestuário. Algumas vezes, um LP dos sucessos recém-lançados. Mudei. Achei que, quanto mais supérfluos e sofisticados, mais os presentes seriam notados (por você e suas irmãzinhas).
Péssimo educador: dei mais atenção e tentei repassar para as três, erroneamente, minha mentalidade consumista. Viajei...
Em 1981, estava em missão na agência Valparaíso (SP).
Você ainda pequeninha. Lá recebi, com a felicidade de
sempre, uma cartinha sua. Envelope colorido, bem lacrado
– que era pra ninguém violar nossos segredos –
e, dentro, um papel de carta perfumado e cheio de nuvens,
sóis e estrelinhas. Em meio a esses desenhos todos – escrito
e bem miudinho –, o seu recado ocupando somente, tão
somente, uma linha:
“PAI, JÁ LI ATÉ AS CAPAS DE TODOS OS LONG PLAYS”...
Para um pai entendedor, meia cartinha basta..
Caí das nuvens.
Mudei. Você também: laureada na conclusão do ensino médio do Colégio Atual, graduação e mestrado em arquitetura na UFPE, dedicação ao trabalho e muito trabalho, casamento com Rafael, agrônomo (urbano) e teatrólogo, mais dois filhotes maravilhosos: Sarah e Ibrahim.
Não faz muito tempo, abraçando Sarinha num seu aniversário, perguntei o que ela estava lendo. Ela me relacionou, orgulhosamente, 39 livros (apenas 6 livretos), dizendo que já havia lido todos eles. E comentou autores dos quais eu já nem me lembrava... Vergonha!...
Aí, filha, lembrei-me de sua mania desde cedo em leitura, e
ousei lançar uma pergunta à sua filhinha, naquele dia minha querida aniversariante:
“E QUANTAS CAPAS DE LP VOCÊ JÁ LEU?”...
Caí das nuvens de novo.
Esqueci de que o mundo dela é digital.
Só acordei para a realidade quando a vi sussurrar
em seu ouvido:
“MAMÃE, O QUE É LP?”...
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Vera Chris, acordei hoje fazendo esse download em nossas vidas. Vi como têm sido boas nossas interações, tendo você como meu guia!... Parabéns, filhinha, pelo seu aniversário, com mais de mil beijos analógicos, sem DELETE, sem ESC e sem ENTER. (fernando).
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