CARTA AOS TRABALHADORES BRAÇAIS
Claudemir Antonio chegou em casa. Colocou as roupas no tanque. Tomou um banho rápido. Abraçou as filhas. Duas adolescentes. Uma cuidava da casa e a outra da comida.
Há quinze dias perderam a mãe para o vírus.
Ele não podia ficar de luto. Tinha que cuidar do luto dos outros. Não pode enterrar sua morta. Estava cuidando de enterrar outros mortos. Eram tantas as covas abertas! Eram tantas que ainda precisava abrir!
Acordou na madrugada com dificuldade para respirar. As meninas chamaram a vizinha. Ele queimava de febre.
Na manhã fria de maio, Claudemir Antonio ocupou uma das covas que ele mesmo abrira.
As meninas não puderam se despedir. Receberam um título: as órfãs da pandemia.
Mírian Cerqueira Leite