Ala indefinida
Está sala é branca e vejo o teto
O cheiro de hospital me rodeia e em minhas mãos e pés há tecidos me amarrando
Estou com frio e ouço com dificuldade e distorção as pessoas ao meu redor, são palavras de um vocabulário específico.
Eu sinto fome e desespero de tentar tiras as mãos do lugar, sem sucesso.
Que diabos!, penso, o que é que me fez estar aqui?!
A culpa começa a subir pelo pé direito da maca e segura no meu pé.
É um monstro que transpira, tem trajes rasgados e esverdeados.
Ele aperta meu corpo e sobe na minha barriga, se acomodando e se sentando
Então eu grito de dor e incômodo ao vê-lo em cima de mim mas, as pessoas ao redor parece não vê-lo.
Eu grito e vejo outro mostro subindo, dessa vez ele vem de outra extremidade da maca e agarra meu pé esquerdo... Esse é o monstro da solidão.
Ele é leve e parece se rastejar nas minhas pernas, mas a medida que vai tomando meu corpo me sufoca e me deixa ainda mais gelada.
Não é um gelado de temperatura e sim de uma certeza absoluta de estar sozinha, de que sou apenas um número, um número de leito, um número de paciente e ou um nome clássico dos pacientes pra tal ala.
Esse mostro parece se agarrar em mim, como se pudesse entrar e fazer parte de mim, usando toda a minha energia, sugando e se alimentando dela.
Por fim, após gritar algumas vezes sentido o pânico de um lugar desconhecido, ouço mais palavras técnicas e vejo uma mulher ao meu lado direito. Ela parece me dizer algo com a mesma entonação de quem solicita um trabalho ao funcionário, sem empatia sem emoção. Um trabalho em um carro que de costume aparece na oficina do seu Zé. Sim eu era o carro.
Então algo foi inserido no na mangueira onde se conectava com meu braço e num piscar de olhos as pessoas se tornaram turvas e eu mergulhei num mundo de desespero, agora sem um fim, sem hora pra acabar, sem saber como lidar porque não podia me mexer. Vejo monstros em todos os lugares e ele estão vindo e cada vez mais perto.
Em meus pensamentos imagino como seria se eu tivesse a oportunidade de nascer de novo: ser amada pelos meus pais, pelos meus irmãos e ter alguns episódios felizes e aniversário. Ser abraçada quando as coisas não são iguais os conformes e ter uma adolescência refogada de amigos e virtudes. Depois e durante um processo de estudos que me possa tirar o rótulo daquela ala de hospital e por fim me casar...
Essa era a hora mais desejada, todos olhando pro meu vestido na cor champanhe e se deliciando com os doces. O meu marido me entenderia, me olharia nos olhos a ponto de ver quem eu realmente sou por dentro, lá dentro... Alguém que eu tenha certeza que só de olhar já saberá como é que me sinto e me abraçará quando eu precisar
Meu filho teria um belo pai, família, tias, amigos, e avós que os amam.
O belo Yann correria pelo quintal feliz de um lado para o outro mostrando suas bochechas vermelhas de saúde
E na hora da minha morte talvez aquele cheiro de hospital forte não seja o último que iria sentir, nem ver aquelas pessoas sem emoção, com o olhar vazio a me encarar.
E ainda assim, existem pessoas que me dizem que eu mesma escolhi estar aqui. Tem certeza que sou eu que estou louca?