25.01.2030
Rodrigo,
São tempos árduos, tempos doente. Todos estão muitos adoentados - uma cólera apareceu esses dias; infectou e matou muitos, mas estamos unidos e esperançosos. Há solidão em cada esquina, uma tristeza nos olhares, um medo de partir sem dizer adeus, sabe? Alguns já até partiram, só ficou a ausência e um enorme rombo nos corações. Coisa de filme. O governo pediu para que ficássemos em domicílio, para não pegarmos ou transmitirmos esse mal. Alguns obedeceram, outros não. Mesma situação, olha: existem pessoas que não tem o que comer em casa; autônomos; mães sozinhas. As pessoas dizem que não trabalhar é preguiça, é feio, que isolamento não é solução. Sabe o que é feio para mim? A miséria, a fome, a pobreza. Isso sim é feio, mas enfim.
Te lembras de quando eu chorava e tu me dizias coisas bonitas, palavras vivas de esperança, joie de vivre. Uma vez (recordo plenamente) cheguei em casa chorando. Estava um dia chuvoso - um toró daqueles -, e eu te liguei para contar que minha mãe havia morrido - des souvernirs pour toi, maman. "tentativas falhas, sonhos em diluição, alguém virou estrela..."
Te fizeste acalanto no telefone, pediu para que eu esperasse um pouquinho.
Sim, eu ri quando bateu à minha porta, abri e tu todo molhado, água vazando para todos lados - depois acho que tu gripou, né? -. A roupa colada e cinzenta ao corpo e o sorriso no rosto. Quanta saudade disso. Tu me colocou no teu colo; cabeça no ombro. Começou:
"Que o tempo me cure
com amor benevolente.
Que o amor me abrace,
corpo todo dormente descendo rios
cruzando montanhas..."
Ficamos eternamente naquela tarde.