Mar afora
Homem da pele lisa, menino da alma enrugada....esse sou eu...seguindo sempre em frente em meus caminhos, pois nunca me importaram o tamanho dos desafios, meu corpo é como um grão de areia que um dia já foi montanha...basta que eu feche os olhos para que todas as minhas vontades se juntem pra cumprir meus sonhos... e de olhos ainda fechados sou capaz de realizar qualquer desejo, quero atingir com o pensamento o centro do universo.
Com os pés enterrados na areia estava mirando o mar(tem tanto sal nessas palavras que escrevo)...e ouvia uma pequena voz vindo desse oceano, como um eco sem palavras, repetindo, repetindo, repetindo sem parar: “ Ao olhar para as minhas águas tu estás a olhar para a superfície dos meus olhos, venha até a mim e conheça o fundo do meu coração...”...e as pegadas deixadas na areia foram as únicas testemunhas dos últimos passos de um homem em direção ao coração marinho.
E sozinho penetrando mar adentro, as carícias do oceano na pele me faziam lembrar da minha primeira morada, o ventre da minha mãe... e nadando sentia que meu corpo não era mais meu corpo, era sim mais uma gota no meio de toda aquela água salgada, menino de mãos pequenininhas e das lágrimas marinhas...a terra estava cada vez mais distante a cada braçada, mas na gravidade do profundo das águas eu me sentia cada vez mais puro e mais próximo do coração marinho...barquinho de papel que nunca vai se desmanchar.
E um tempo depois a voz de antes já não era pequena e repetia, repetia, repetia não em meus ouvidos, mas na minha boca sem cessar: “ Mais pra dentro, mais adentro, mais adentro do mar, pois ele é a casa das lágrimas que já secaram...segue mar afora sem mau, até que você não veja da terra mais nenhum sinal...”..eu me sentia como veleiro singrando em direção a África , uma nau navegando em direção a Portugal, viver não é preciso, navegar é preciso...
Nadei muitas horas mesmo, até que estivesse onde jamais estive...tão além, tão longe da terra e tão dentro, tão adentro do mar...o meu passado e o meu futuro se encontraram naquele lugar....a volta foi difícil, tive que boiar algumas vezes...flutuei ao sabor das marés, conversei com os ventos...nunca antes havia sentido a liberdade fluir em mim de forma tão real assim.
Quando cheguei de volta à praia já era noite...a noite que com seus encantados mistérios nos torna todos espectadores,a noite que potencializa todas nossas dores, admiro tua sombra, pois é ela que transforma meu preguiçoso sono nos mais lépidos e doces sonhos.
Passei o resto da noite hipnotizado, olhando para o reflexo da lua derramando-se sobre o mar... nada pra mim nessa vida combina mais do que lua com mar, definitivamente feitos um para o outro...e quando a manhã chegou e apagou as estrelas e o luar, o gosto de sol invadiu a minha boca e minúsculas nódoas de tristeza ainda se atreviam a manchar minha alegria, réstias de dor que teimam em nunca partir...foi quando vi...sim eu vi uma cena que mudaria a minha vida na dramaticidade do pra sempre.
Bem ali pertinho de mim um filhote de gaivota piava e um pouquinho mais ao longe uma outra gaivota maior, que deveria ser sua mãe, atenta piava de volta, só que mais forte e mais alto que o filhote... e foi quando aconteceu...a pequena gaivota abriu suas grandes asas brancas, que também eram pretas nas pontas...abriu suas asas para voar pela primeira vez sobre o oceano...e enquanto estava ainda ali pertinho falei para ela olhando em seus olhinhos :
“Gaivota leve-me em tuas asas...”... e ela levantou vôo trôpega enquanto no solo e livre, leve e solta quando no ar...decolou com graça, em direção ao centro do universo, a caminho do coração marinho...me levando sozinho em suas asas...
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