a carta de uma sobrevivente

a carta de uma sobrevivente

desculpe-me por interromper a sua noite. está é uma pequena carta da pequena sobrevivente que você não viu a crescer. julguei que a senhora precisasse saber disso por isso lhe escrevo esta carta.

te escrevo com coesão, com coerência, pontuação, acentuação, estilística impecável e um pouco de locuções informais porque nem sei se a senhora merece o meu respeito ou não. me sinta.

consigo sentir que você esta viva. queira deus que estejas. vou ser directo porque não tenho muita coisa mesmo para lhe dizer. quisera que fosse a carta de uma morta por um aborto salino. sim o aborto. lembras? não te preocupes que não estou morta. nem estou aqui para lhe exigir alguma coisa. estavas na sua liberdade.

te procurei.

tanto te procurei quando soube que minha genetriz não era aquela que vivia comigo. em nenhum lugar estiveste.

sinto que estas arrependida ou talvez sem arrependimento, ilusão minha.

eu cresci sabendo que nasci prematuramente e que tinha sido adotada. o que eu não sabia era que havia um grande segredo por trás de tudo isso. que eu estava ou deveria ter nascido morta mas em vez disso nasci viva.

fiquei a saber que a senhora interrompeu a sua gravidez por um aborto salino, tóxico por 6 dias que quase custara sua vida. ninguém sabia ao certo que tinhas sobrevivida até que um dia minha mãe adoptiva te viu na cidade e seguiu-te até na sua casa. fui deixada entre os restos de resíduos hospitalares. fiquei ali até que uma senhora enfermeira me salvou, e assim sobrevivi. ela é a minha mãe hoje. cuidou de mim desde aquele dia trágico até hoje.

passei por uma terapia intensiva durante meses quase um ano, contra todas as possibilidades eu sobrevivi

fiquei confusa com essa informação, mas depois acreditei que era verdade e segui com a vida pra diante.

eu não quero que responda esta carta, apenas que saiba que eu estou viva. eu sobrevivi naquele aborto e acima de tudo eu te perdoei.

sei que também não foste informada que eu tinha sobrevivido e pensaste que realmente foi um aborto com sucesso. isso foi mantido em segredo. por isso em uma parte eu te perdoei. quem sabe se soubesses terias te arrependido e me procurar.

essas são nossas verdades chocantes que permanecerão para sempre.

não tem sido fácil para mim ter que lê dar com isso. mas eu não estou chateado com a senhora. imagino as razões que te levaram a tomar essa decisão.

mas também não tinhas o direito de escolher o meu destino, com a minha vida. ainda me questiono, o que terá levado a senhora a tomar essa decisão sobre a minha vida?

meu nome é nkululeku- sim nkululeku. estou livre, vivo a liberdade, tinha que nascer para ser livre. por isso me deram este nome.

sou muito sortuda e feliz. porque tenho os meus pais adoptivos e tenho a senhora como minha mãe biológica. embora nunca a senhora vá puder me conhecer.

se o aborto é um direito, então quais são os meus direitos? a minha liberdade senhora. teria uma culpa por acaso?

simplesmente queria ouvir a sua resposta, puder olhar na sua cara. cada dia eu carrego as consequências da sua escolha.

eu te amo senhora brenda! só espero que não tenhas abortado o seu nome também. queria muito que as circunstâncias fossem diferentes. prometo que te verei e desta vez a senhora poderá me chamar de filha, me abraçar, e pudermos brincar juntos. lá no céu.

eu me sinto melhor sabendo que a senhora esta viva e teve a ocasião de ler esta carta.

a dor da minha cabeça esta melhor.

obrigada por me escutar nessas palavras.

nkululeku.

nota: esta carta faz parte de livro com o título: a plebe na agonia de outros pesadelos, em processo de publicação.

De autoria Sydney joão sindique

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Sydney Sindique
Enviado por Sydney Sindique em 18/03/2020
Código do texto: T6890930
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