Prezado Raffert
Prezado Raffert, você é um gentleman. O espírito do Garcia não conheço, c'est la vie, boa parte dos medalhões literários passou ao largo da minha parca atenção, eis o resumo, “meteoro da minha existência jurássica”. Touché. Essa frase entra pro rol do que merece ser cunhado. Platéia? Quando muito, noutros tempos, um ruído minguado similar ao que se ouve na gravação ao vivo do Larry Carlton em 1988 - música: So What, do Miles, que não sou fã. Ali mr. Carlton ganhou o prêmio Melhor Solo de Guitarra ao Vivo. Trinta e dois anos atrás, até hoje não ouvi nada igual. Neguim tenta, não consegue, exceto os raríssimos de sempre.
Veja, gosto é gosto, minha admiração pelo Miles possui caráter restrito, começa e termina com “Changes”, do Ray Bryant, gravação de 1955, ambos e o Milt Jackson. Pela madrugada. Ali os caras mostraram no que consiste esse troço chamado música.
O negócio de apreciar arte entra ano sai ano prevalece circulando na espiral ascendente que independe de uma escala temporal. Sem novidades no front. Não me gusta flauta barroca, mas uma pintura do James Tissot, a da menina na lareira, ou A Refeição Vespertina do François Boucher, de 1739, se a gente compara com os esforços estéticos da vanguarda do século XXI fica com um ponto de interrogação gigantesco. Isso, desconsiderando os debates intermináveis sobre o sexo dos anjos. Só conversa fiada. Ou como se costumava dizer, válido para quem empunha pincel, caneta, filmadora, sapatilha, etc.: muito orgulho e pouco talento. Cadê a cultura?
Proseando um dedo, se você me perguntar o que eu achei de “Parasita" ter ganho Oscar de Melhor Filme, sem mencionar o destaque para a xaropice del “Coringa”, digo que ambos os trabalhos se destacam pela ausência absoluta de personagens edificantes. De novo o tributo escancarado ao mau gosto. O que cria um fenômeno como esse eu não teria uma resposta imediata. Talvez Mortimer Adler forneça uma pista: o traço mais saliente da miséria cultural repousa na proliferação endêmica de idéias esdrúxulas, nascidas de recalques pessoais ou de preconceitos grupais e locais.
De qualquer forma, creio existir um link entre a ausência de performances brilhosas como a do Carlton e o cinema do personagem baixo calão, na minha terra tem personagem macho e fêmea.
Num exemplo rápido, o filme de 2016 “Hell or High Water”, dirigido pelo David Mackenzie, apresenta seres íntegros, tanto os da lei quanto os fora da lei, diferentes das aberrações rançosas que a glória máxima do cinema neste ano resolveu agraciar.
Problema deles.
Não há platéia no casulo.
Mas boas amizades, isso sim.
Um amigo do RL me indicou uma série, você me indicou outra, semana que vem irei atrás das duas, continuo perseguindo uma cópia do "The Red Maple Leaf", que, a propósito, trata-se de homenagem a Doris Roberts, e para não gastar a Wikipedia, adianto ser a atriz que fazia a mãe do Raymond, vide “Everybody Loves Raymond”, humorzinho liso, limpo e chinfrim nesse início de março com paulicéia fria e úmida.
Ah, eis um coelho na cartola: “Yesterday”, dirigido pelo Danny Boyle. Eu fui no escuro, sem sinopse nem nada, só o nome do diretor. Tenho certeza de que vai te levar a dois sorrisos de larga satisfação.
É isso aí, o mundo da arte fornece brisa auspiciosa, melhor que o mundo do corona v.
Grande abraço e por favor, continue colocando suas idéias no papel, pois é sabido que "Para que o mal triunfe, basta que os bons não façam nada." (BURKE, Edmund)
(Imagem: James Tissot, 1869)
Prezado Raffert, você é um gentleman. O espírito do Garcia não conheço, c'est la vie, boa parte dos medalhões literários passou ao largo da minha parca atenção, eis o resumo, “meteoro da minha existência jurássica”. Touché. Essa frase entra pro rol do que merece ser cunhado. Platéia? Quando muito, noutros tempos, um ruído minguado similar ao que se ouve na gravação ao vivo do Larry Carlton em 1988 - música: So What, do Miles, que não sou fã. Ali mr. Carlton ganhou o prêmio Melhor Solo de Guitarra ao Vivo. Trinta e dois anos atrás, até hoje não ouvi nada igual. Neguim tenta, não consegue, exceto os raríssimos de sempre.
Veja, gosto é gosto, minha admiração pelo Miles possui caráter restrito, começa e termina com “Changes”, do Ray Bryant, gravação de 1955, ambos e o Milt Jackson. Pela madrugada. Ali os caras mostraram no que consiste esse troço chamado música.
O negócio de apreciar arte entra ano sai ano prevalece circulando na espiral ascendente que independe de uma escala temporal. Sem novidades no front. Não me gusta flauta barroca, mas uma pintura do James Tissot, a da menina na lareira, ou A Refeição Vespertina do François Boucher, de 1739, se a gente compara com os esforços estéticos da vanguarda do século XXI fica com um ponto de interrogação gigantesco. Isso, desconsiderando os debates intermináveis sobre o sexo dos anjos. Só conversa fiada. Ou como se costumava dizer, válido para quem empunha pincel, caneta, filmadora, sapatilha, etc.: muito orgulho e pouco talento. Cadê a cultura?
Proseando um dedo, se você me perguntar o que eu achei de “Parasita" ter ganho Oscar de Melhor Filme, sem mencionar o destaque para a xaropice del “Coringa”, digo que ambos os trabalhos se destacam pela ausência absoluta de personagens edificantes. De novo o tributo escancarado ao mau gosto. O que cria um fenômeno como esse eu não teria uma resposta imediata. Talvez Mortimer Adler forneça uma pista: o traço mais saliente da miséria cultural repousa na proliferação endêmica de idéias esdrúxulas, nascidas de recalques pessoais ou de preconceitos grupais e locais.
De qualquer forma, creio existir um link entre a ausência de performances brilhosas como a do Carlton e o cinema do personagem baixo calão, na minha terra tem personagem macho e fêmea.
Num exemplo rápido, o filme de 2016 “Hell or High Water”, dirigido pelo David Mackenzie, apresenta seres íntegros, tanto os da lei quanto os fora da lei, diferentes das aberrações rançosas que a glória máxima do cinema neste ano resolveu agraciar.
Problema deles.
Não há platéia no casulo.
Mas boas amizades, isso sim.
Um amigo do RL me indicou uma série, você me indicou outra, semana que vem irei atrás das duas, continuo perseguindo uma cópia do "The Red Maple Leaf", que, a propósito, trata-se de homenagem a Doris Roberts, e para não gastar a Wikipedia, adianto ser a atriz que fazia a mãe do Raymond, vide “Everybody Loves Raymond”, humorzinho liso, limpo e chinfrim nesse início de março com paulicéia fria e úmida.
Ah, eis um coelho na cartola: “Yesterday”, dirigido pelo Danny Boyle. Eu fui no escuro, sem sinopse nem nada, só o nome do diretor. Tenho certeza de que vai te levar a dois sorrisos de larga satisfação.
É isso aí, o mundo da arte fornece brisa auspiciosa, melhor que o mundo do corona v.
Grande abraço e por favor, continue colocando suas idéias no papel, pois é sabido que "Para que o mal triunfe, basta que os bons não façam nada." (BURKE, Edmund)
(Imagem: James Tissot, 1869)