Cartas para Claudete

Vim aqui pela última vez para me despedir, talvez, não possa mais voltar. Meu corpo cansado não resiste aos solavancos das curvas da estrada, o caminho não é adequado para quem está perto de partir, o tempo corroeu as minhas forças e a vida desse lugar. Teria implorado ao tempo para não te roubar, se soubesse quanta falta faria nessa casa, sinto saudades, a vida exalava dessas paredes, vozes e risos eram ouvidos de longe. Venho aqui para sofrer, sinto a sua presença em cada pedaço, ela não carrega reflexos da sua imponência desde a sua morte, minha amada. O jardim já teve dias melhores, na verdade, tudo aqui perdeu o brilho. O lustre imponente da sala de jantar, a mesa com 14 lugares, há muito tempo não é usada, não tenho mais amigos e nem motivação para receber ninguém. Desde que se foi, essa casa tornou-se sem vida, perdeu a essência e o perfume, morreu consigo a alegria. Essas visitas, servem apenas para alimentar a dor e a saudade, desde que partiu. Essa casa era sua, ninguém poderá ocupar o seu espaço. Espalhei cadeiras de balanço por todos os cômodos, causa a impressão que há algum movimento, preciso de ajuda para sentar, elas garantem a sensação de liberdade, é o único lugar que posso me mexer sem precisar de ajuda, meus pés não podem mais caminhar. Peço ao cuidador para me trocar de lugar, quando canso de observar os detalhes de cada canto dessa casa. Alguns degraus, não pensei na nossa velhice, impedem que alcance todos os lugares com a cadeira. A gente foi feliz aqui. Havia tanta alegria quando as crianças eram pequenas. Os objetos tinham que ser resistentes, corriam por todos os cômodos. Guardamos as lembranças de todas as viagens que fizemos, da louça com as iniciais, feitas sob encomenda, dos eletrodomésticos modernos, que agora parecem tão ultrapassados. Não sei o que será feito da nossa casa, quando eu também partir, me preocupo, porque não vejo interesse dos meninos com as nossas memórias. Essa casa tem história, muitas coisas importantes guardadas aqui, representam tudo que vivemos no nosso casamento. Manter essa casa é uma homenagem à nossa felicidade. Me arrependo, pelas vezes, que decidi não vir para cá. Você renascia nesse lugar, posso sentir a sua presença em cada canto dessa casa. Sua alma ecoa em cada espaço. Por vezes, esqueço que não vive mais, queria poder sentar nessas cadeiras para conversarmos sobre tanta coisa que aconteceu por esses tempos. Lembro que a gente gostava de conversar, sentados aqui, ouvindo o barulho dos pássaros, olhando o lago, vendo os nossos filhos, depois os nossos netos, brincando na piscina. Está cada vez mais difícil me locomover até aqui, o tempo rouba as forças, mas esqueço a dificuldade quando lembro que a minha alma se alegra quando entro por essas portas de madeira de lei, que mandei entalhar. Construi essa casa para você, planejei cada cômodo pensando no bem estar de todos. A sua partida repentina, levou a alegria de toda família em estar aqui, não há motivos que os faça querer voltar. Os amigos que frequentavam a nossa casa morreram ou por causa de alguma enfermidade não saem mais para passear. Fico aqui sozinho, eu e o motorista, sonhando com a vida que havia aqui. Vivo pelas lembranças, já não consigo andar com desenvoltura, não posso mais passear lá fora, então, sento na cadeira de rodas e vou andando pelos quartos, entro nos banheiros, nas salas, na cozinha, lembrando de todas as etapas da construção, cada detalhe, desde os azulejos desenhados com exclusividade para cada ambiente, as louças sanitárias, as peças de metal, importadas. Minha memória é ativada por essas lembranças. Se soubessem quanto tempo gastamos planejando essa casa, nunca pensariam em mudar nada. Sei que está tudo velho, marcadas pelo tempo, ainda assim, enxergo beleza, me lembram o quanto fomos felizes. Por amor, pretendo trancar as portas, deixar tudo como sonhou, fechar os olhos e morrer aqui, sentado na cadeira de balanço, já não existe vida. Essa casa e eu, vivemos e morremos por você.

Déa Corrêa
Enviado por Déa Corrêa em 03/03/2020
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