TRINTA DIAS DE LUTO

Fez trinta dias...

E eu ainda vejo seus óculos sobre o criado mudo e suas sandálias ao pé da cama.

O livro que estava lendo ainda está com o marcador onde parou.

Sua bíblia surrada na gaveta mais próxima, e a caixinha do terço esta vazia, pois ele foi com você.

O Scott ainda te espera toda tarde na porta da frente e suas orelhas se levantam quando qualquer carro faz menção de parar. Ele fica lá por horas, até desistir e aceitar que mais um dia se passou e você não vem.

Tudo está tão sem graça e silencioso. As conversas na sala já não têm tanta graça, tudo vira lágrimas.

Quando penso em compartilhar algo no Instagram seu nome é o primeiro que aparece e então eu me lembro de que não respondi sua última provocação. Discutir política com você era algo tão cotidiano, me lembro que quando li sua mensagem apenas pensei: “Ah tio! Será que nunca vamos concordar em nada nesse assunto?”, mas eu não respondi, no momento achei que deveria dar uma pausa. Talvez tenha sido melhor assim.

Quando leio nossas últimas mensagens percebo o quanto andava ocupado...

Nossa última conversa foi tão séria e tão rápida, você estava ocupado demais e eu apareci no seu escritório com aviso prévio muito em cima da hora.

Me lembro que naquele dia já eram três da tarde e você ainda não tinha almoçado e eu fiquei triste e no momento pensei que seu presente de aniversário seria uma marmita elétrica, pois no escritório não tinha micro-ondas.

Nos despedimos num abraço que nunca mais vou sentir, mas que todos os dias eu o tenho vivo na memória.

A última vez que te vi vivo foi através de vídeo chamada e você estava preocupado com meu irmão e as chuvas no Estado de Minas. Você sempre preocupado com todos.

Nesses últimos dias precisei pegar a estrada algumas vezes e sempre que isso acontecia eu nos via naquela viagem de noite, apenas nós dois no carro e cinquenta minutos de argumentos e política. Chegamos rindo um do outro, pois nossas discussões eram sadias. Eram bárbaras e instrutivas. Eram únicas!

Eu ainda sinto seu toque quando queria chamar a tenção para o que dizia, aquele velho toque com as costas da mão.

Ainda ouço você me dando conselhos, mesmo os mais corriqueiros.

Me pergunto onde irei no próximo dia dos pais. O que fazer no próximo Natal. E porque não te dei o presente antecipado.

Trinta dias se passaram e ainda tenho a impressão de que você entrará pelo portão de casa com suas chaves na cintura e sentará na mesa pra um café.

Trinta dias que eu mesmo sorrindo não consigo desatar o nó entrevado na minha garganta.

Trinta dias que todos nós tentamos ser fortes um para o outro, mas carregando cada qual o imenso buraco que sua ausência provoca no peito.

Sinto sua falta! Todos nós sentimos!

Psiquê
Enviado por Psiquê em 01/03/2020
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