Epístola a Beatriz Uchôa

(Em seu dia de anos)

Se eu fosse um poeta de maior valia,

Um grande épico a ti dedicaria –

Com doze livros, em estrofe spenseriana,

No qual retratarias minha Gloriana,

E se em seu tempo a tivesse conhecido

O próprio Spenser, quanto ciúme teria tido!

Mas minha pena ainda é incompetente

(E tanto mais sou devotado ao far-niente

Que à poesia – às vezes chego a crer

Que filho de papa ou sultão poderia ser),

E para coisa assim tão grandiosa criar,

Quantas bebedeiras teria eu que tomar?

De qualquer forma, espero que se contente

Com esta carta escrita carinhosamente –

Receba-a com júbilo no coração

Tal qual o meu escrevendo-a na ocasião.

Amaldiçoado desde o meu nascimento

Pela influência de um astro azarento,

Passei minha trágica existência inteira

Tendo a solidão como única companheira.

De minha própria família fui deserdado

E do convívio em sociedade fui privado –

Afinal de contas, quem é que hoje em dia

Leva a sério quem vive de poesia?

Apenas tu dentre toda a multidão

Ofereceu-me com carinho tua mão,

E se por ora continuo a existir,

Se deve única e exclusivamente a ti.

Sempre que o pesar sobre mim se abate

E amaldiçoo a Deus pedindo que mate,

Na parede vejo teu retrato adorado

Que em lágrimas tantas vezes já hei beijado,

E se cala, mesmo que temporariamente,

O demônio a urrar em meu peito, inclemente.

Lembro-me daquele dia em que a conheci:

Eras a mais linda garota que já vi,

E uma década já tendo se passado,

Tudo ainda se parece inalterado –

Continuas tão linda como eras então,

E sei que outras décadas mais passarão,

Mas se na juventude foste graciosa,

Na velhice serás régia, majestosa,

E o Tempo com sua foice irá te invejar

Pois sua beleza nunca poderá ceifar.

Tal qual o louco Tasso nos tempos de outrora

Amou até o fim sua Eleonora,

E Dante, fidelíssimo à sua Beatriz

(Veja só, que coincidência mais feliz!),

Também serei assim enquanto eu viver –

Meu coração a outrem não vai pertencer,

Apenas contigo à noite irei sonhar

E em meu verso só a ti irei eternizar.

Só peço-lhe que permaneças paciente;

Logo chegará o dia em que, finalmente,

Haverei de um beijo nas faces lhe depor

E dar-lhe às mancheias todo o amor

Que em meu peito permaneceu armazenado

Sem que a ninguém pudesse ter compartilhado.

Até lá, quero aproveitar o ensejo

De aplicar-lhe em tua mão um terno beijo

E encerrar minha carta com alegria,

Esperando que tenhas um ótimo dia

E aproveite por hoje a celebração!

Certo estou de que muitas outras virão!

(São Carlos, 13 de fevereiro de 2020)

Galaktion Eshmakishvili
Enviado por Galaktion Eshmakishvili em 13/02/2020
Código do texto: T6865025
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