Querida natureza...

1-

Lembro-me de um dia, em algum desses anos de minha existência, onde eu estava sentada na varanda da fazenda de meus tio, e vê a chuva era uma benção. Geralmente, caia no fim de tarde, e ia assim como vinha. Eu lembro de esticar a mão e ficar sentindo ela, não era por muito tempo e era um ato meio que automático; mas logo alguém aparecia e me era ordenado que secasse as mãos.

2-

Acordo antes do despertador e vejo que faltam quatro minutos para ele tocar. Fico um tempo deitada e quase que volto a dormi, mexo a cabeça e percebo que lá fora chove bastante. Já adaptada, me levanto e vou tomar um banho, após preparo meu café tranquilamente, já sabendo o que me espera lá fora.

3-

Um outro dia que não me escapa à memória, apesar de muitas coisas escaparem, eram os dias de banho de chuva. Não me lembro exatamente o porque, mas não tive muitos, lembro de dois ou três especificamente. Um deles foi bem de supresa, voltando de algum lugar, e de repente estávamos lá molhados correndo loucamente, água expirando e chinelo escapando. O outro foi um daqueles bem calculado, os pais não queriam deixar, mas aos poucos nos aproximamos e lá estávamos, todos ensopados. Aí já não tinha mais jeito, corríamos e parávamos debaixo de canos que derramavam nossas cachoeiras particulares.

4-

Saiu de casa sem a bolsa, e levo apenas guarda-chuva, e meu celular para fotografar. Ao se aproximar da rua principal o movimento já se faz presente. Guarda-chuvas e mais guarda-chuvas amontoados, pessoas e mais pessoas paradas, olhando, esperando nada (tudo), olhando para aquilo que os olhos não podem crer apesar de está se tornando comum esse tipo de situação. Tudo está absolutamente alargado.

5-

Uma outra situação que sempre me vem à memória quando chove, são os automóveis e seus privilégios não notado pelos motoristas. 07:00 da manhã, todos pensando em suas camas, encolhidos, e lá vem um carro, esse freia e passa com cautela; lá vem o ônibus, esse não é o que a maioria espera. Atrás surge um caminhão, e o “ixi” já é audível. Todos se afastam, mas não dá outra. O banho é total, e a gritaria também.

6-

Eu também paro e observo até onde a água chega desta vez. E não deixo de me entristecer ao lembrar que algo tão lindo como a chuva é o temor de todos que precisam sair de suas casas com horário. A chuva que sempre foi um calmante, que sempre foi referência musical: “O chuva peço que caia devagar, molhe esse povo de alegria”, hoje está condicionada, e sempre que ela é escutada coração e mente se preocupam. O capitalismo e a movimentação da sociedade do séc XXI, fez até a chuva perder sua graça.

7-

A chuva do lado de fora poderia até me estremecer de tanta alegria ou de tanto frio por ter sido molhada. Mas nada era mais delirante do que o som da chuva. Está deitada, pensando em nada, bem coberta, escutando como ela se movimenta lá fora sempre foi surreal, ela cai de um jeito só dela. Acordar de madrugada e perceber que está chovendo e que ainda resta umas boas horas até o despertador tocar, é delirante.

8-

Tiro as fotos e as envio aos meus superiores. E retorno para casa. Vou pensando que nós somos os anfitriões que esquecem de arrumar a casa para a visita. O mundo é uma extensão de nossas casas, e como essa não é nossa principal pauta?

Nós falhamos em diversas questões, mas nada é mais falho do que a retalhação ambiental que causamos. Tudo ao extremo, tudo no limite.

9-

Quero relembrar a nossa relação social com o guarda-chuva. Nosso velho e bom amigo, ou nem tão bom, guarda-chuva. Quantas vezes ele por amor a chuva queria esticar-se para trocá-la por inteiro, e se esvoaçava todo. E lá estávamos nos abaixando ele, enquanto o vento que claramente estava a favor do guarda-chuva o ajudava com seu plano.

10-

As consequências chegam. E estamos presenciando a chegada das consequência da nossa irresponsabilidade, da nossa falta de contado, falta de amor e de gratidão com o ambiente. Está aí. Eu não posso deixar de pedir perdão a natureza, não posso deixar de dizer que o que precisávamos era de mais contato contigo, porque o contato gera amor incondicional, e o amor incondicional gera cuidado. Que tudo que não aprendemos por escolha surja agora na necessidade, que essa percepção nos alcance em meio ao caos. Que tenhamos paciência e cuidado, para nos redimirmos. No mais, que a tribulação produza paciência, E a paciência a experiência, e a experiência a esperança.

“E não somente isso, mas também nos gloriamos nas tribulações; sabendo que a tribulação produz paciência, E a paciência a experiência, e a experiência a esperança.” Romanos 5:3-5