A noite fria

Aqui, no silêncio da madrugada, da solidão diária, escrevo estas palavras para que algum dia, por sorte, alguém as leia. A brisa fria que passa pela janela entreaberta me remota a memórias que eu preferia esquecer, que me ferem; as imagens como num filme são montadas em sequência, muitas vezes sem sentido, mas que me causam um desconforto, me sufocam. Queria acreditar que essas memórias nunca de fato existiram, mas as sensações que despertam em mim, como se eu estivesse novamente passando por aquilo, me fazem acreditar na veracidade dos fatos, minha mente está bagunçada.

A nossa mente tem dessas coisas, digo nossa porque quero acreditar que seja assim com todos, não quero pensar que a minha lucidez não esteja tão lúcida assim. As lembranças se misturam, estão incompletas, o real e a ilusão estão entrelaçadas.

Os toques estão me causando arrepio, me sinto desrespeitada, invadida, amedrontada, acuada, será que eu, no auge dos meus 12 anos de idade, pedi para isso acontecer? E se eu não tivesse sorrido? Talvez ele não tivesse se sentido no direito de me tocar....

Tá doendo! Para, por favor!

Ele não ouviu....

Fecho os olho..... Eu só quero que acabe logo...

Ali, naquele beco escuro, um pedaço de mim foi arrancado, em seu lugar o silêncio foi colocado... o medo e a insegurança em mim nascidos, foram para aquele homem, a sua escapatória.

Eu só era uma criança, eu só queria brincar de pique- escode... sorrir com os amigos, mas naquela noite não me permitiram, e por muito tempo me privaram. Não foi uma só vez!

Hoje, algum tempo depois, olho para esses eventos buscando retirar algo que possa ser uma força motriz para mim, mas ainda não consigo superá-los a ponto de não me sufocar.

O fardo de ter sido invadida dessa forma ainda me consome... Ainda dói!

Penso que muitos aspectos da minha personalidade foram moldados a partir desses eventos, como uma espécie de armadura para me proteger de homens que usem o meu sorriso como desculpa para o desrespeito.

Te escrevo essas linhas, pois quero que entendas (sem problemas caso você não compreenda a magnitude do impacto que as ações que aqui te expus me causaram) que em muitos momentos da nossa relação eu irei parecer distantante, aflita, triste e irritada. São esses os dias em que as minhas memórias veem com mais força, tenho vontade de gritar e chorar. Me sinto novamente um criança em perigo. O medo que algo parecido me aconteça de novo é paralisante, mas os teus braços têm sido um bom abrigo.

Um dia, quem sabe, eu tenha a coragem de te falar, olhando nos teus olhos, o quanto vem sendo importante ter-te ao meu lado, me protegendo.

Sigo, aqui nessa longa madrugada, lutando contra os meus pensamentos e, tem sido o teu sorriso a minha válvula de escape.

Permita-me ter-te como refúgio, Meu Amor.

E

Desculpe pelo transtorno.

Victória Régia

Janeiro, 2020

Victória Régia
Enviado por Tiago_Alves em 28/01/2020
Código do texto: T6852329
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.