CARTA PARA HUGO

Ouvindo Lynyrd Skynyrd (Simple Man) e pensando no que dizer para você, que sequer chegou a este louco mundo, mas já mudou minha vida de formas que seriam impensáveis, há alguns meses. Enquanto ouço a música, sinto os olhos mareados pelo medo de não estar aqui, para ter a conversa que todo pai que ama seu filho gostaria de ter, dar as broncas que seus tropeços juvenis certamente o levarão a merecer, mas sobretudo, inundá-lo com beijos, abraços e força, para seguir em frente, numa vida que não é fácil para a maioria.

Filho, não sei o que o futuro nos reserva. Espero que você nunca precise ler estas linhas sem que eu esteja ao seu lado e, caso isto infelizmente aconteça, saiba que sempre te amei, desde o momento em que soube da sua existência. E tenha certeza que, esteja seu pai presente ou não neste mundo, aquele amor nunca deixará de existir.

Tenho tanto a te dizer. Mas sei melhor que a maioria, que muitas vezes palavras não são suficientes, sejam em quantidade ou significado. Prefiro demonstrar apertando sua mão, embalando você em meus braços, beijando seu rosto que ainda não vi – mas que tenho certeza, será a imagem mais sublime, linda e impactante da minha vida-, oferecendo o ombro para seus lamentos e gargalhadas para fazer coro, em seus momentos de êxtase e vitórias.

Mas, caso eu não possa fazer nada disso, deixo aqui algumas considerações, lembretes, dicas, seja lá como quiser chamar. Um pouco do que seu pai gostaria de dizer e fazer com você.

Obviamente, desejo que você seja feliz. Mas antes de buscar a tal felicidade, descubra o que ela significa para você. Não deixe que outras pessoas definam o que é a sua felicidade, que digam o que você deve fazer, ser ou ter, para ser feliz. A felicidade, como a maioria das coisas que realmente importam em nossas vidas, não é uma ciência exata. E é justamente por isto que ela é tão particular, tão sua. E só você tem o direito de definir o que ela é, para você.

Ame, meu filho. Muito. Sempre. Nada será tão importante na sua vida quanto o amor que você recebe e, principalmente, aquele que ofertará aos seus. Você estará rodeado de amor: meu, da sua mãe, de nossas famílias e de tantas outras pessoas com as quais você cruzará caminhos, em sua jornada.

Faça com que as pessoas que você realmente amar, saibam disso. Nunca deixe que tenham dúvidas a este respeito. Não tenha vergonha de dizer o que pensa, contanto que sempre tenha como base a verdade, a boa fé, a honestidade. Estes são valores raros neste mundo, enquanto escrevo estas linhas e, imagino que quando você puder compreendê-las, serão raríssimos. Mantenha-se firme no propósito de ser um bom homem, uma boa pessoa. Num mundo onde cédulas muitas vezes valem mais que pessoas, não é fácil, mas acredite: vale muito a pena.

Nunca discrimine ninguém. Não alimente preconceitos de qualquer forma, por qualquer motivo. E afaste-se de quem tentar fazer com que você seja um preconceituoso. Valorize as pessoas pelo que elas são, critique-as ou elogie-as por suas ações, pelo caráter que têm ou pela ausência dele.

Entenda que todos nós somos diferentes e que, para além do que nossos olhos mostram, existem pessoas maravilhosas, independente de quanto dinheiro possuam, da cor da pele, das preferências particulares, das origens ou da forma como se apresentam aos olhos de uma parcela que se importa mais com aparência que com essência. Essência é tudo, meu filho. É ela que separa os bons dos maus.

Seja, antes de qualquer coisa, honesto com os outros, mas principalmente consigo. Existirão momentos nos quais você será tentado a mentir, enganar ou magoar. Em alguns deles, será difícil resistir, mas seu pai sabe que você conseguirá fazer a coisa certa. Sempre busque fazer a coisa certa, em qualquer ocasião.

Ouça do Baião ao Heavy Metal, do Blues ao Maracatu, do Pop ao Clássico, mas sempre preze pela qualidade. Não limite-se a escutar as músicas. Sinta-as. De B.B King a Fagner, Rammstein a Gato Negro, Renato Russo a Bach, Nina Simone a Djavan.

Preste atenção nas letras, busque seus significados, eleve a poesia dentro de você, mas não perca suas raízes. Nunca as renegue ou deixe que tentem diminuí-lo. Você terá o privilégio de nascer em um país e região que têm uma cultura própria, vibrante e totalmente genuína. Orgulhe-se de ser um brasileiro e nordestino batalhador, determinado e corajoso. E sempre tenha em mente que isto não o torna melhor ou pior que ninguém. Apenas diferente.

Nunca descuide da leitura de bons autores. É uma das formas mais gostosas de viajar, conhecer e adquirir cultura, além de experimentar a sabedoria de outros, enquanto cria bases para a sua, sem sair do lugar. Göethe, Voltaire, Kafka, Oscar Wilde, seu quase xará, Victor Hugo, bem como Machado de Assis, Orígenes Lessa, Jorge de Lima e Graciliano Ramos, são ótimas pedidas, para começar.

Busque e valorize as diferentes formas de Arte, filho. Assim perceberá que as coisas, pessoas e mundo tornam-se menos enfadonhas, complicadas e bem mais divertidas, por meio delas.

Seja amigo, para ter bons amigos. Não faça questão que eles sejam muitos, mas que sejam bons, verdadeiros, sempre. Lembre do que eu disse sobre honestidade e amor: são duas coisas que amigos sempre devem ter de nós e, caso você não os tenha de volta, repense as supostas amizades. Não vale a pena perder tempo com quem não exerce reciprocidade.

Procure entender – por mais que seja difícil, às vezes- sua mãe e suas avós: certamente serão as mulheres mais “corujas” e ao mesmo tempo “chatas”, que você terá em sua vida, em alguns momentos. Mas nunca duvide do amor delas por você. Acertando, errando, reclamando ou dando broncas, tenha certeza que a motivação delas sempre será o amor. E quando o verdadeiro amor motiva, tudo é perdoável.

É impossível resumir tudo o que eu queria dizer e demonstrar a você, durante toda sua vida, em algumas páginas. Mas acredito que pelos menos alguns dos pontos mais importantes, consegui abordar. Espero que essa carta seja apenas uma, entre tantas lembranças do tempo que antecedeu seu nascimento e que eu possa dizer tudo isto a você, viver nossas tristezas e alegrias junto a você, meu filho.

Que possamos jogar bola, empinar pipa, brincar de esconde e nos empanturrar de sorvete, rir e brincar nas praias ou grama até cansar. Que possamos, juntos, criar mundos fantasiosos e que eu possa te abraçar, comemorando os gols do nosso Corinthians e lamentando as derrotas; que nas suas conquistas, decepções e descobertas eu esteja lá, para te lembrar que você é plenamente capaz de superá-las e que tem um pai que te ama, que se preocupa com você e que nunca irá te abandonar, enquanto a vida permitir que assim seja.

Se me faltava alguma razão para continuar vivendo, você a preencheu, Hugo. Seu nascimento é o prenúncio de boas novas para nossas famílias. Que também seja uma contribuição para que este mundo seja melhor, mais amoroso, justo e pacífico. E que sua vida seja uma sequência de alegrias, intercaladas com moderada tristeza, para que você aprenda a fomentar e dar o devido valor à paz e felicidade.

Com amor, do seu pai.

Gustavo Marinho.

Gustavo Marinho
Enviado por Gustavo Marinho em 19/01/2020
Reeditado em 22/01/2020
Código do texto: T6845647
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