Caro Carlos:
Pensei muito antes de lhe escrever esta carta, mas como foi sincero na sua missiva, eu também o vou ser, mesmo que me custe muito tudo aquilo que lhe vou confidenciar.
Durante todos estes anos, você, tal como a maioria dos nossos colegas, considerou-me sempre como uma cabra, uma mulher sem coração, um autómato que vivia para o trabalho e não dispunha de vida pessoal. Em parte tinham razão, tirando uma experiência infeliz há pouco mais de dois anos, confesso que nunca tive grandes relacionamentos com o chamado sexo forte.
A minha opinião sobre si foi sempre de menosprezo, pois assisti ao desfilar de algumas das suas conquistas, à forma como você usava as mulheres e depois se desfazia delas, como se fossem trapos velhos e odiei-o, não a si mesmo, mas por tudo o que representava, o universo masculino.
Depois, um dia foi lá a casa, a meu pedido e como favor pessoal tirou as medidas dos reposteiros, foi gentil e respeitador, surpreendeu-me. Nessa altura senti algo que não sei explicar, desejei que você me tomasse em seus braços e me desse carinho, aquela ternura que nunca tive de forma desinteressada. Nessa noite não dormi, sentia um fogo interior, virei para um lado, virei para o outro, você não me saía do pensamento. Acabei por sonhar consigo, um sonho intenso, erótico.
Passados dias, convidou-me mesmo para almoçar, consigo e com os restantes funcionários do Banco. Senti-me acarinhada, isso fez-me muito bem, acredite.
A sua carta, em que confessava o grande amor que sentia por Lúcia, fez-me ciúmes e despeito, confesso que tive inveja da felicidade que ela decerto sentiu enquanto viveu consigo. Também me fez ver que no fundo o Carlos tinha alguns sentimentos, havia mudado por amor. Lamento a morte dela, tal como a morte do seu pai, ainda por cima tendo ocorrido num tão curto intervalo.
A rosa que na mesma altura deixou sobre a minha secretária também me impressionou muito.
Só há pouco tempo percebi, embora contra vontade, que o que sempre senti por si não era ódio ou amizade, não era agradecimento ou gratidão, era algo mais, era amor, um amor que tinha crescido ao longo de cinco longos anos, silencioso como um cancro. Agora confesso que o amei todo este tempo, mas nem eu própria tive consciência disso, acredite.
Só escrevi estas linhas porque sei que nunca mais trabalharemos juntos, as hipóteses de o encontrar na rua são remotas e além disso tenho a certeza que respeitará estas minhas confidências. Mesmo assim estou cheia de vergonha pela confissão que lhe fiz.
Espero que me perdoe algo que tenha decidido em termos de trabalho no Banco e eventualmente o possa ter prejudicado.
Desejo-lhe as maiores felicidades, pessoais e profissionais (acabe em breve a licenciatura, abrir-lhe-á novos horizontes).
Receba de mim um beijo cheio de ternura, um dos únicos que lhe dei e mesmo assim virtual.
Nunca o esquecerei.
Lisboa, 25 de Março de 1980
Maria Leonor de Albuquerque
Excerto do meu livro "Memórias de um sedutor"
Republicação
Pensei muito antes de lhe escrever esta carta, mas como foi sincero na sua missiva, eu também o vou ser, mesmo que me custe muito tudo aquilo que lhe vou confidenciar.
Durante todos estes anos, você, tal como a maioria dos nossos colegas, considerou-me sempre como uma cabra, uma mulher sem coração, um autómato que vivia para o trabalho e não dispunha de vida pessoal. Em parte tinham razão, tirando uma experiência infeliz há pouco mais de dois anos, confesso que nunca tive grandes relacionamentos com o chamado sexo forte.
A minha opinião sobre si foi sempre de menosprezo, pois assisti ao desfilar de algumas das suas conquistas, à forma como você usava as mulheres e depois se desfazia delas, como se fossem trapos velhos e odiei-o, não a si mesmo, mas por tudo o que representava, o universo masculino.
Depois, um dia foi lá a casa, a meu pedido e como favor pessoal tirou as medidas dos reposteiros, foi gentil e respeitador, surpreendeu-me. Nessa altura senti algo que não sei explicar, desejei que você me tomasse em seus braços e me desse carinho, aquela ternura que nunca tive de forma desinteressada. Nessa noite não dormi, sentia um fogo interior, virei para um lado, virei para o outro, você não me saía do pensamento. Acabei por sonhar consigo, um sonho intenso, erótico.
Passados dias, convidou-me mesmo para almoçar, consigo e com os restantes funcionários do Banco. Senti-me acarinhada, isso fez-me muito bem, acredite.
A sua carta, em que confessava o grande amor que sentia por Lúcia, fez-me ciúmes e despeito, confesso que tive inveja da felicidade que ela decerto sentiu enquanto viveu consigo. Também me fez ver que no fundo o Carlos tinha alguns sentimentos, havia mudado por amor. Lamento a morte dela, tal como a morte do seu pai, ainda por cima tendo ocorrido num tão curto intervalo.
A rosa que na mesma altura deixou sobre a minha secretária também me impressionou muito.
Só há pouco tempo percebi, embora contra vontade, que o que sempre senti por si não era ódio ou amizade, não era agradecimento ou gratidão, era algo mais, era amor, um amor que tinha crescido ao longo de cinco longos anos, silencioso como um cancro. Agora confesso que o amei todo este tempo, mas nem eu própria tive consciência disso, acredite.
Só escrevi estas linhas porque sei que nunca mais trabalharemos juntos, as hipóteses de o encontrar na rua são remotas e além disso tenho a certeza que respeitará estas minhas confidências. Mesmo assim estou cheia de vergonha pela confissão que lhe fiz.
Espero que me perdoe algo que tenha decidido em termos de trabalho no Banco e eventualmente o possa ter prejudicado.
Desejo-lhe as maiores felicidades, pessoais e profissionais (acabe em breve a licenciatura, abrir-lhe-á novos horizontes).
Receba de mim um beijo cheio de ternura, um dos únicos que lhe dei e mesmo assim virtual.
Nunca o esquecerei.
Lisboa, 25 de Março de 1980
Maria Leonor de Albuquerque
Excerto do meu livro "Memórias de um sedutor"
Republicação