CARTA II
Céu Azul, 30 de julho de 1974.
É manhã de quinta-feira e chove lá fora, amor. A minha casa está silenciosa. Gritos? Só os da minha alma. Ainda pouco fiz café e tomei sozinha. A xícara suja continua à mesa. Parece que estou envelhecendo muito rapidamente. O meu corpo acordou hoje pedindo teu abraço, mas o outro lado da cama estava frio e arrumado. Nada fora do lugar do outro lado da cama. Dentro de mim, tudo fora do lugar. Eu sei o quanto você gosta da chuva e talvez isso tenha me dado mais saudades ainda. Coloquei um pouco da chuva num pequeno pote para te presentear. A chuva, minha única companheira nessa manhã tão solitária!
Continuo cuidando de tudo, amor. A casa está limpa. O meu trabalho é cansativo, mas faz bem à minha alma. Lavo as roupas e passo os lençóis. Costuro as minhas meias furadas. Ainda roubo as flores do jardim de Dona Eulália e as coloco no vaso da sala. À tarde a mesma rotina de sempre, escrevo. Escrevo não sei para quem. Minhas cartas nâo têm destinatário. Então as guardo no meu baú de escritos. O baú que dizias tu ser os meus mistérios. Ah! Quem me dera ter mais mistérios em mim do que esse amor por ti. Perto do rio encontrei, ontem à tardinha, uma daquelas pedrinhas que tu adoravas colecionar. Guardei-a no bolso do moleton. Tudo está guardado. Até mesmo teu jeitinho de falar.
O relógio da cozinha passa as horas lentamente. A casa era pequena quando tu estavas aqui e grande depois que partiste. A grama que estava seca começa a ficar verdinha novamente. Há goteiras na casa, amor. Preciso reformar o telhado. Tuas almofadas estão do mesmo jeito que deixaste. Só eu que pareço mudar todos os dias. Como uma vela que vai aos poucos se acabando assim estou eu. Lembranças, saudades, arrependimentos, vontades, solidão, começar de novo...É um desassossego que acende a vela em mim e ela vai derretendo cada dia que passo sem o teu amor. Longe de ti as minhas pernas esqueceram como se anda. Meu coração há anos não recebe visitas extravagantes. Ninguém nunca mais esqueceu algo em casa e retornou para buscar, cinco minutos depois de ter saído para o trabalho. A chuva cai devagar...com ela caem as minhas lágrimas. Como te amo!
Um abraço,
Da tua poeta.