CARTA I

Céu Azul, 15 de outubro de 1985.

Boa noite, amor! Hoje não fiz quase nada. Caminhei à tardinha pelas ruas da minha cidade em passos lentos. O céu está coberto de nuvens escuras. Parece que vai cair uma grande chuva. Cheguei em casa com sede. Tomei você no pensamento e a sede passou. Deixei os chinelos à porta da casa, como você sempre me pedia. Tudo está do jeitinho que você deixou. Para que mexer? Desse jeito consigo me sentir menos distante de você.

As cortinas do nosso quarto brincam com o vento que vem do norte. O jornal chegou atrasado hoje. Mas eu li seu nome na lista dos aprovados daquilo que tanto você desejava. Parabéns! Tive vontade de mandar-lhe flores e aqueles meus bilhetes perfumados, mas me contive com um sorriso nos lábios. Você vai conquistando seus sonhos. Está mais viva do que nunca. As notícias me chegam aos poucos. Tem gente que me diz que você está mais linda ainda. Tem gente que me diz que você agora usa o cabelo mais curto. Tem gente que me diz que você bebe outro tipo de vinho agora. E eu fico aqui querendo saber quais as suas mudanças. Será que você mudou tanto assim?

Fui à Olinda ontem. As ladeiras me fizeram lembrar seu esforço físico subindo e descendo ladeira abaixo. Depois que soube das suas mudanças fiquei pensando em tantas coisas. Será que você hoje é mais feliz do que antes? Será que você consegue viver de uma forma mais intensa do que antes? Será que você está amando tão intensamente? E a pergunta mais cruel insiste em bater contra meu peito: será que ela não era feliz comigo? Não sei, amor. Eu fiz o que pude. Às vezes penso que insisti demais para que o nosso amor não chegasse ao fim, quando o nosso amor nunca sequer teve um início. Às vezes penso que fui uma espécie de muro protetor para você, pois quando lhe conheci sua vida estava desmoronada.

Desculpe-me, amor, o desabafo triste. Mas cá em mim mora uma rosa pisoteada pela intolerância dos seus gestos e palavras. Nunca me deixaste explicar as causas de tantos dissabores que lhe criei. Eu sei que errei. Todo mundo erra nessa vida dura e árdua. Só você pensa diferente. Só você é a perfeição em tudo. Cuidado, amor! Às vezes erramos e na nossa arrogância esquecemos de pedir perdão! Lembre-se de mim quando nos conhecemos e você verá que eu era feliz e tinha vida. Apenas, lamento.

Um abraço,

Da sua poeta.