CARTAS I & II. Platão a Dionísio, Sabedoria.
Tradução comentada de trechos de “PLATÓN. Obras Completas (trad. espanhola do grego por Patricio de Azcárate, 1875), Ed. Epicureum (digital)”
Além da tradução ao Português, providenciei notas de rodapé, numeradas, onde achei oportuno abordar pontos polêmicos ou obscuros. Quando a nota for do tradutor Azcárate ou da editora Ana Pérez Vega, um (*) antecederá as aspas.
“Recorda sempre o mau comportamento que tiveste comigo, para que te conduzas melhor com os demais.”
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“A natureza quer que a sabedoria e o poder soberano se reúnam, e assim é que se seguem um ao outro, buscam-se e terminam por amalgamar-se.”
“Costuma-se celebrar juntos os pares Periandro de Corinto e Tales de Mileto; Péricles e Anaxágoras; ou mesmo trios, como Creso da Lídia, Sólon e Ciro. Os poetas, seguindo este costume, mesclam em seus cantos Creonte e Tirésias, Polinides e Minos, Agamemnon e Nestor, Ulisses e Palamedes, e, se não me engano, os homens nenhuma outra razão tiveram para unir Zeus e Prometeu. Cantam seus heróis, apresentando-no-los seja em relação de amizade, seja em relação arquetípica de inimizade, quando não como seres em perfeita simbiose de amor e ódio (amigos num ponto e adversários em outro).”
“É nosso dever preocuparmo-nos com o porvir, porque a natureza quisera que só ao escravo fosse o futuro indiferente, enquanto que o homem livre e bem-nascido deve fazer os maiores esforços para deixar à posteridade uma reputação sem mácula. Isto me demonstra que os mortos conservam algum sentimento de tudo que fizeram e sofreram em vida, subsistindo sua herança e seu legado na terra; as almas boas o pressentem, as más teimam em negá-lo.”
“Que coisa há de mais santa e piedosa que proteger a filosofia? E que coisa mais impiedosa que desprezá-la?”
“Cheguei à Sicília gozando a reputação de ser o maior filósofo desta era (...) Não era coisa rara sujeitos que espalhavam aos quatro ventos que tu desdenhavas meus conselhos, e que eram outros cuidados os que te ocupavam; vê que era esse, pelo menos, o juízo público siciliano.”
“Se desprezas completamente a filosofia, não há mais que falar; se aprendeste outra ou se tu mesmo descobriste uma melhor que a minha, que seja bem-vinda; mas, se estás satisfeito com as minhas lições, preciso é que me faças a justiça que me é devida; Hoje, como dantes, marcha adiante; eu seguirei teus passos. Honrado por ti, eu te honrarei; privado das honras que me são devidas, guardarei silêncio. Pensa bem nisso; honrando-me a mim honras à filosofia, e obterás, sozinho na vasta multidão, a reputação de filósofo, que é o objeto de tua ambição. Mas se, pelo contrário, eu te honrasse apesar de teu desvario, passaria eu por homem que só ama e busca as riquezas, e já sabemos quão odiosa é semelhante qualificação. Em suma, se tu me honrares, isto será uma glória para ti e para mim; e se eu te honrasse sem ser honrado, seria uma vergonha para ambos.”
“tu não estás contente com as razões que eu expusera sobre a natureza do primeiro ser. (...) A alma humana deseja com ardor penetrar estes mistérios, e para chegar a consegui-lo examina tudo aquilo que se parece com ela, mas não encontra absolutamente nada que a satisfaça. Quanto ao rei e ao demais de que eu falara, nada há que se lhes pareça. O que vem abaixo, isto está ao alcance da alma.
Como responder, ó, filho de Dionísio e Dóris!, tua pergunta, qual é a causa do mal em geral? A alma se atormenta com sua ignorância, e enquanto não se vê livre desta ignorância não encontra meios de chegar à verdade. No entanto, um dia, em que passeávamos pelos teus jardins à sombra dos lauréis, disseste-me tu que havias resolvido este problema sem o auxílio de ninguém.”
“Fizeste mui bem em enviar-me Arquidemo. Quando ele voltar com minhas respostas a tuas perguntas, surgirão, quiçá, novas dúvidas em teu espírito. Então me reenvia teus questionamentos, e na volta do navio de Arquidemo terás de novo amplas explicações. Se obrigas Arquidemo a empreender esta viagem de ida e volta por duas ou três vezes, e se examinas com cuidado aquilo que eu te comunicar, muito me surpreenderá se tuas dúvidas não se virem substituídas pelas mais claras e corretas noções. Ânimo, pois! e ajusta tua conduta conforme meus preceitos.”
“Esta doutrina é preciso que medites muitas e muitas vezes, estudando-a sem cessar. Porque, como o ouro, não se purifica senão depois de muitos anos e grandes trabalhos. Mas escuta o que há nisto de admirável: há homens, demasiados em número, gente de entendimento, inclusive, dotados de boa memória e de juízo seguro e penetrante, avançados em idade e conhecedores desta doutrina há pelo menos 30 anos – estes homens mesmo são os primeiros a confessar que aquilo que noutros tempos lhes parecia incrível e absurdo, é-lhes hoje muito mais digno de fé; e aquilo que lhes parecia indubitável e absoluto já não possui nenhuma credibilidade a seus olhos. Levando isto em conta, não percas a paciência nem te desgostes se até agora não tiveres feito qualquer progresso notável em tuas indagações. Evita sobretudo escrever tuas reflexões, porque é preciso exercitar a memória; e o papel em que fazes apontamentos pode desaparecer. Por esta razão, nunca escrevi nada: não há nem haverá jamais obras de Platão! [!!!] As que se me atribuem são de Sócrates, de quando era bem moço. Adeus, atende meus conselhos; e depois que tiveres lido e relido esta carta, arroja-a ao fogo!”
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(*) “Respeitamos em todo o possível a valiosa tradução original de Patrício de Azcárate, apegada ao grego, conquanto influenciada pela tradução latina de Cristoforo Landino e ainda a francesa, de Victor Cousin. Apenas corrigimos imprecisões e arcaísmos do original. Modernizamos também a transcrição de nomes próprios, etc. As notas, salvo quando se indicam expressamente as iniciais P.A., são desta editora. --Ana Pérez Vega”