Tenha um bom dia, meu amor.
Ontem ao chegar do trabalho entrei pela porta como uma criança vem ao mundo, com estranheza, choro e fragilidade.
Apesar de termos morado aqui nos últimos 7 anos juntos, agora que me vi só parece um mundo novo, desconhecido, um mundo que não é meu. Me encolhi e controlei os gestos pra não incomodar à nada, deixar cada coisa no lugar e como você deixou, nem ousei me sentar. Olhei em volta por alguns minutos e decidi me agachar no chão do tapete, apanhei o violão, toquei Sujeito de sorte de Belchior depois levantei, troquei de roupas, queria comer, mas as coisas pareciam todas ter mais tamanho do que eu e em minha pequenez me intimidei. Fui para o quarto e me deitei na cama me encolhendo muito pra não incomodar. Fez muito frio essa noite por isso voltei a ser um feto, mas sem a guarda do conteúdo aminiótico, da placenta e do amor de uma mãe. Por toda a noite fui retrocedendo e retrocedendo ao início de tudo, à princípio era ao princípio de nós, mergulhei nas lembranças de nossos encontros, nossos afetos, nossas viagens, nossas promessas, nossas vitórias... tanto nós que me embaracei. E doeu, doeu como pode doer a morte, e morri. Então retrocedi pra dentro de meu passado, minhas dores, minha existência e todas as vidas e todas aquelas que já fui e experimentei todas as minhas mortes, mas aquelas já não doeram mais. Voltei a ser embrião, o encontro do amor de meus pais. E os vi se amando, e foi bonito perceber que pra onde quer que eu olhe estará o amor, de nós ou de outros, alimentando os inícios, dando fôlego ao barro, tornando as almas viventes, afinal Deus é amor e o amor é o Deus da minha vida, então cedi e permiti que o amor me tocasse e me refizesse, as horas se passaram e eu renasci, amanheci e me vi aqui tendo de começar de novo porque sempre haverá amor pra reiniciar a vida, num percurso infindo.
Bom dia!