Carta a meu Pai
Impressionante o tempo que eu levei para lhe escrever, mas hoje acredito que estou preparado para lhe dizer como me senti durante algum tempo.
Faz quase sessenta anos que não nos vemos. Na verdade nem o conheci e isso sempre foi uma das coisas, entre nós, que mais me incomodou. Por isso mesmo vou deixar de rodeios e irei direto ao assunto.
Quem mandou você morrer tão cedo? Ainda não tinha completado seis meses que a mamãe morrera e mesmo assim você também morreu! Fiquei órfão e só tinha um ano e meio de idade. Lembra-se disso? E não me venha dizer que você me deixou sob os cuidados das pessoas mais íntegras e honestas que você conhecia. Nem meus parentes eram, poxa!
Tudo bem. Cabe aqui uma ressalva: eles foram maravilhosos comigo. Mas você não estava lá. Quem mandou você morrer tão cedo? Perdoe-me, mas achei a sua morte uma grande covardia — não sei de quem, mas que eu achei, isso eu achei.
Por que não deixou que um dos seus irmãos me adotasse? Meus tios não quiseram assumir tal responsabilidade? Não... Não precisa responder... Aliás, você não tem mesmo como responder, portanto esqueça. Isso já é coisa do passado, mas bem que tudo poderia ter sido diferente se você estivesse lá.
Todas as vezes que via meus amigos abraçados com seus pais sentia a sua falta. Você não faz ideia do quanto desejei jogarmos ou assistirmos um futebol. E não é dizer que o pai que você me arranjou não fizesse nada disso. Fazia, mas não era você que estava lá. Entende?
Quem mandou você morrer tão cedo? Quando fiquei muito doente você não estava lá para tratar de mim. Com certeza você já seria médico, mas foi morrer antes até de se formar, não é mesmo? Quem mandou?
Mas, não fique preocupado não, que eu já o perdoei pela falta. Tanto que procurei não morrer antes do tempo e estou conseguindo educar meus filhos, mesmo sentindo a falta dos conselhos seus. Mas que poderia ter sido diferente, ah, isso poderia.
Agora vou dar uma descansada, mas voltarei a lhe escrever novamente.
Até lá,
Saudades.
Escrito em 02/06/2006