Para minha filha mais velha

Uma vista linda! A pouca iluminação garantia uma vista fantástica das estrelas, o cheiro do mato, o som dos animais noturnos...ela estava bem distraída! Enquanto contemplava o ceú (o que era um hábito, mas nunca com tanta nitidez) pensava que algum dia, alguma daquelas estrelas brilharia a seu favor. Sentada num colchão de palha sem lençol, nua, com um corpo que não era dos mais bonitos, tinha bastante mancha nas pernas, a barriga de quem já tinha parido três vezes, um cabelo mal cortado e mal penteado, uma maquiagem ruim....Ela ouvia longe a conversa dos três homens que acabava de servir. Estava com fortes dores nas costas e o rosto ainda ardia por causa dos tapas; estava bem suja e suada. Pediu a um deles para tomar um banho e ele com os olhos apontou um balde do lado de fora. Seus olhos correram pelo quarto e até chegar ao lado de fora ela podia ver o chão verde batido, um armário empoeirado com roupas velhas, um saco pendurado na parede com um fósforo e um pacote de macarrão e bastante teia de aranha e insetos. Achou, por acaso um par de chinelos dentro de um saco do lado de fora, calçou e foi tomar banho. Enquanto jogava água gelada pelo corpo e voltou a contemplar a vista linda do céu; pensava agora em seus filhos, tinha uma filha de 12, uma de 5 e por último um menino com 10 meses. Queria compartilhar com eles o que estava vendo, queria também falar um pouco sobre a vida, queria explicar a eles a opção que fizera; diria a eles que quando pequena a mãe tentou por tudo lhe ensinar a cuidar de casa e fazer faxina para ter o que comer. Mas como a própria mãe dizia: ela não dava pra nada! Não sabia limpar, manchava as roupas, não tinha agilidade, “não tinha boca para pedir emprego”, quebrava coisas, era estabanada, queimava comida...Cresceu ciente da sua inutilidade, chegou a tentar outras coisas, mas logo a necessidade falou mais alto e ela foi parar na noite. Começou como garçonete, mas em pouco tempo recebeu o chamado da prostituição. Queria dizer aos seus filhos que gostava de desenhar quando pequena, que deve ter em algum lugar algumas folhas com seus desenhos, queria pedir a eles que não reclamassem do cus cus de todo dia, que aquilo lhe cortava o coração e que também parassem de cavar os buracos da parede, que era muito difícil achar barro para tapar.

Ela também tinha sonhos! Queria colocar porta no banheiro de casa, queria comprar cadernos novos a filha no começo do ano, sonhava também em comer frango assado mais vezes, nada agradava mais seu paladar do que frango assado. E queria mais que tudo um perfume, ela sentia náuseas depois do trabalho, queria algo que cheirasse bem nessas horas, principalmente ao meio dia. Ela queria ir a capital ver o mar e poder desenhar os prédios, queria que os filhos não sentissem vergonha dela, queria ter aprendido a bordar, queria que a mãe tivesse vivido mais, queria ver suas filhas tomarem caminho diferente do dela, queria ensinar o filho a respeitar as moças, queria ir mais a igreja, queria ter usado uma peça de roupa nova durante toda a vida, queria fazer tratamento nos dentes... Porém, nesta noite, queria somente pedir a filha mais velha que aprendesse a cozinhar, enquanto sentia o ar acabar com a cabeça dentro de um balde.