Caro senhor Presidente da República

Quero lhe falar o que penso sobre o senhor fazer questão de que o próximo ministro do STF seja “terrivelmente evangélico”, acrescentando que, embora sejamos um Estado laico, a grande maioria do povo brasileiro é composta de cristãos. O senhor, ilustre Presidente Jair Messias Bolsonaro, não governa apenas para a maioria. Governa para um todo. E esse todo inclui uma minoria de não-cristãos. Ouso também fazer uma pergunta: desde quando a religiosidade está diretamente vinculada à idoneidade, experiência, competência e conhecimento das leis? Senhor Presidente, a religiosidade de alguém que vá exercer um cargo de tamanha relevância só diz respeito àquela pessoa, é um aspecto pessoal. Mas a honestidade e a capacidade são o que importam, porque são o que afetarão milhões de brasileiros.

Atrevo-me ainda a dizer que o Estado laico é um princípio constitucional e o senhor, como Presidente, precisa olhar melhor o que diz, pois o senhor é uma figura pública e influencia pessoas. Assim como há os que discordam de suas opiniões (muitas das quais conheço desde quando o senhor era um candidato), há os que concordam e se deixam influenciar por elas. Falar que um critério tão importante para ser escolhido para um cargo de ministro é a crença de uma pessoa é uma atitude que (acredito que não seja sua intenção) pode alimentar preconceitos e a intolerância religiosa. Eu não quero fazer minhas afirmações nesta carta baseando-me em ideologias e/ou crenças. Desejo me basear em fatos. Apesar de se dar tanto valor a quem se diz cristão, temos observado muito bem que a crença de uma pessoa não está diretamente ligada ao seu caráter ou à capacidade para desempenhar uma função. É lamentável que vivamos num país com histórico de sincretismo religioso e tanto preconceito. Tem-se preconceito com quem é umbandista, do candomblé, ateu ou agnóstico. O senhor, nos seus longos anos como deputado, pode ter visto que há muitos políticos evangélicos desonestos. Só que, quando um candidato vai discursar, já usa o nome de Deus, porque sabe que isso o ajudará a ganhar votos. É uma triste realidade. Poucos brasileiros votariam num candidato ateu, não importando quão competente e honesto ele seja.

Eu não me importo com a crença de uma pessoa. Ela pode ser católica, evangélica, espírita, ateia, agnóstica, da umbanda ou candomblé. Importo-me com o caráter e a capacidade dela. Dar tanta importância àquilo em que alguém acredita tem levado a muitos episódios de intolerância aqui no Brasil. Vemos estudantes umbandistas ou do candomblé sofrendo bullying nas escolas, evangélicos atacando terreiros com a alegação de que agem “em nome do Senhor” e até mesmo professores discriminando alunos por estes seguirem religiões de matriz africana. O senhor considera isso tolerável?

Temos que levar em consideração que o papel de um presidente não tem nada a ver com religião ou com dizer como se deve educar os filhos, senhor Presidente Jair Messias Bolsonaro. O papel de um presidente é trabalhar para garantir os direitos do povo brasileiro, não fazer discursos de ordem política e/ou ideológica. Senhor Presidente, não me cabe julgá-lo nem quero ser sua inimiga. Cabe-me dizer apenas que presidente não é moralizador. Quando me falam que o senhor tem boas intenções, defende a família e é religioso, penso que o que realmente importa para nós, brasileiros, é que haja segurança, que se ofereçam empregos, que se invista em educação. O senhor, ao tomar suas medidas, deve pensar nos brasileiros que estão desempregados, pensando desesperadamente no futuro, perguntando-se como será o amanhã, já que muitos que se formam não conseguem emprego. O senhor também deve pensar nos brasileiros que saem todo dia com medo de ser assaltados e são agredidos por assaltantes que se sentem à vontade para intimidar e matar se tiverem vontade de fazê-lo. Pense também nas crianças. Se não se investir no futuro delas, como teremos cidadãos ativos e trabalhadores capacitados. Há muito tempo ouvimos que o Brasil é o “país do futuro”. Quando é que esse futuro irá se concretizar?

Não vou dizer nada contra nem a favor da reforma previdenciária ou contra o senhor ser religioso. Quero apenas lembrar que o seu trabalho como presidente não envolve dizer nada sobre fé. Queremos também atitudes. Senhor Presidente, o senhor prefere um evangélico incompetente e desonesto ou um ateu idôneo e capacitado trabalhando ao seu lado? Observe muitos dos países com o maior índice de IDH como Noruega e Suécia. São países com população majoritariamente ateia. O que isso significa? Que a religiosidade não deve ser sua preocupação. O senhor deve se preocupar em começar a investir em educação, segurança, em combater a corrupção e gerar emprego. Que cada um viva sua crença como bem entende.

Senhor Presidente, o que precisamos é de pessoas idôneas e capacitadas. Isso nada tem a ver com crença. A crença de um ministro é apenas dele. Mas a sua capacidade irá dizer respeito a todos nós, porque afetará a vida de todos.

Eu não quero dar opiniões sobre nada. Guardo minhas opiniões para mim, porque acredito na igualdade, que todos são iguais perante a lei e que não devo discriminar ninguém por suas características pessoais, culturais, religiosas ou de qualquer tipo. Para haver uma verdadeira democracia nesse país tão necessitado de melhoras, deve-se começar a incutir em cada pessoa a ideia de que devemos respeitar a todos. Isso é algo que o senhor, como presidente, precisa lembrar todos os dias. Não discriminemos as pessoas por características que dizem respeito a elas. Vamos cuidar do que realmente importa, que é transformar essa nação.