Confissão de um conservador
E o clima nessa casa estava... sorumbático. Isso! Essa é a palavra mais apropriada. Mais uma mudança. Não só na vida, mas fisicamente também, digamos assim. Outra dessa. Uma vez um digníssimo poeta usou o termo “indesejada da gente” para se referi a morte. Eu uso para mudanças. Podem me chamar de conservador (talvez eu seja, no sentido correto da palavra eu quero dizer), mas arrancar as raízes depois de minimamente estabelecidas não faz o meu perfil. Eu sinto bastante isso. Mudar de ares nunca foi um almejo na minha vida. Sempre gostei da rotina, da segurança (ou ilusão dela), mas agora tenho que lidar com mais uma alteração brusca na vida. E o pior, o clima da casa. Pelo visto os meus pais são como eu me descrevi no parágrafo anterior. Tentam sorrir, torcer, repetem frequentemente que é o melhor e etc... Mas eu sinto, eu percebo em cada nesga de olhar que ali tá um sentimento de dor, de preocupação e talvez até de culpa. Culpa de quê? Não faço ideia e talvez nem eles. E nesse clima aterrador cujo ar é praticamente palpável a cada respiração, eu tento sobreviver até o fatídico dia. O dia de mais uma vez arrancar as raízes e tentar restabelecê-las em algum lugar. Eu já passei por isso. Passei cinco anos morando fora com a minha esposa, e devo dizer que a adaptação lá foi um pouco difícil, mas depois o difícil mesmo foi retornar. As raízes já tinham sido feitas, os hábitos já tinham sido criados e mesmo depois de um ano de retorno, ainda sinto os odores do lugar. O cheiro da manhã, a conversa com os vizinhos e amigos, os encontros na praça, as discussões sobre diversos temas. Foi uma bela experiência mas que não deveria ter acabado. Até hoje uma parte de mim é oca por causa disso, uma parte na qual sinto um vento melancólico soprando e fazendo eco diariamente. Às vezes mais, as vezes menos, mas sempre ali. Podem até alegar: “Mas essa mudança de agora pode gerar frutos tão bons quanto a anterior”. E não discordo disso, só não queria passar pelo processo. Mais uma vez tentar enraizar em um local, a outras pessoas, a outras situações. Amaldiçoo a minha condição humana de me apegar, não glorifico a dor e tenho séria relutância em achar que isso nos faz melhor, porém não tenho a força pra conservar minha vida do jeito que eu quero e só me resta ficar à deriva nesses mares oscilantes da vida. Uma luta volúvel para tentar se apegar a algo concreto, estável e a natureza dessa batalha é que acaba comigo a cada dia.