De rastros está o sistema
Não sei por onde começar. Se pelo fim ou pelo fim.
Há já bastante tempo ando a ver uma Senhora.
Ela, tira-me do sério.
Por que carga de água espero um milagre, se eles não existem ...
Não sei se estou a ficar com piedade demasiada, mas corrói-me o juízo, esse acto meu.
Há mais de 20 anos que a conheço.
De cabelos castanhos, longos. Face loga, nariz afilado da magreza, os dedos e pernas como um cadáver, uma boca fina, 1.65 de altura mais ou menos. Sempre vestida meia Hippy. Sempre enrolou os seus cigarros, até ao dia de hoje.
Chama-se Nicole.
Encontro-a sempre á hora do almoço, nos eléctricos da cidade.
Sentada no chão, com dois embrulhos enormes; seus pertences!
Seus olhos olham o chão, seus dedos estão mais sujos que a cor da terra. Fede a quilómetros de distância. Coça-se o tempo inteiro.
Porque falo d'ela? Não sei.
Estou revoltada com a sociedade evoluída!
Numa das vezes entra um casal todo cheio de chicletes, olha-a e viram-se de costas. A Madume que nem se quer é prinsuza aconchega seuas mãos com o casaquito de pele para se proteger da erodita faminta que rasteja a seus pés.
Saíu-me umas poucas de lágrimas.
Estou de rastros. Estou doente, farta destas merdas.
Segui sempre a Nicole com os meus olhos. Ela aí e eu aqui e ninguém toma conta d'ela.
Reparei ao mesmo tempo que um Senhor de idade a acompanha, á distância.
Deixei tudo fluir. Saí do eléctrico e fui á minha vida.
Encontrei-a novamente.
Tudo na mesma, não. Pior. Já tinha passado duas semanas. E tudo está mal.
Perguntei-lhe se eu lhe podía dar um banho. Se quería roupa limpa,...
Respondeu bruscamente. Ademirada que sabía seu Nome.
Não aceitou o meu trato, quiz ficar na penúmbria.
Em Portugal aconteceu-me o mesmo.
Tomando aqueles cafés sem fim, com muita conversa pelo
meio, na esplanada do Aquárius.
Sempre chegava a tal Senhora, como essa acima referida; e
pedía um cigarro. Esta pelo menos falava!
Não levava nada consigo, só o peso de seu corpo e sua leveza.
De tanto se repetir o acto, convidei-a para tomar um banho e almoçar comigo.
Dito e feito.
Na porta da casa, descalçou-se, deixou o supérfulo lá fora,
pediu para ír ao WC, lavou as mãos ajeitou o cabelo. Sentou-se, colocou o guardanapo em seu colo, começamos a comer. Um silêncio
ensurdesudor.
Já mais tarde, em conversa .... era uma Enfermeira, cuja vida
lhe pregou uma daquelas partidas de caixão á cova.
Pouco tempo depois, se soube que a sua casa ardeu, amontoada uma lixeira a chegar ao teto. Foi para a Psiquiatría. Fiquei descançada.
Uma carta ao Governo.