Carta, afago, presente, tempo? Me abstenho.
Eu me abstenho de tentar curar você. Curar essa descrença auto imposta naquilo que nos faz o que somos, do medo declarado de quebrar a realidade em desejos impuros da tua vontade. Choro pela manhã, essência envenenada. Qual poção poderia eu oferecer?
Uma carta? Escrevi minha alma e minha verdade, sem exitar, sangrei meu desequilíbrio na língua da nossa falsa intimidade, teu sorriso fragmentado em alegria e inspiração fui capaz de garimpar, o teu eu resgatei através do olhar surpreso pelas palavras além do tempo, antes e depois."Vou te amar" teu lábios zuniram, signifiquei e me perdi.
Um afago? Te guardei em mim com raízes ambidestras, nutrindo todo florescer do suor da tua pele, de toda ela. Frutos? Os sons desconexos e altos guiados pelo meu toque, comandos, encontro de almas, pressão do oceano em duas mãos, suavidade esculpida em beijos. Aqueles olhares te assustaram? Ou fui apenas uma boa opção?
Um presente? Que tipo de objeto superaria a dada fatia de músculo cardíaco rasgada e entregue sob jurisdição do sagrado, que foi guardada num envelope de arame farpado, ornado por flores regadas com o sangue mestiço - minha coragem desmedida e tua doença -, por você exposto num forno com outros, expelindo aroma de carne torrada e cinzas.
Um tempo? Eu, leão, língua queimando, sede. Você surgiu como um rio - força da natureza, imparável, desejada como nunca - e me reconheci no reflexo. Na correnteza me joguei, me doei, me afoguei - pulmões ardendo, consciência fugindo -. A superfície se fez necessária e você sabe que já nadei muito pra respirar nessa vida. Volto para a selva, minha selva. Matei minha sede por hoje e outros rios virão. E você, passou. Nada pude fazer por você além de ser o que nasci pra ser.
Me abstenho.