COM A MALA DE GARUPA À MEIA ESPALDA

Recebo o documento abaixo transcrito, via e-mail:

“CONVITE

ACADEMIA CURVELANA DE LETRAS – 30 ANOS

Convida para a Sessão Solene em comemoração aos 30 anos de sua fundação e em homenagem aos seguintes imortais:

- Elza Pinto Alemão - Eurico Rubens Bittencourt

- Geraldo de Souza - José Alves Viana

Local: Sede da OAB de Curvelo – Minas Gerais

Av. Dom Pedro II,729

Data: 07/12/2018 – Sexta-feira

Horário: 20 horas.”

A notícia é boa, alvissareira, e a comoção do momento obriga-me a registrar o que está nos neurônios, no coração e na ponta da língua, como se tivesse eu mesmo de fazer o discurso. As palavras fazem seu próprio caminho, às catadupas, com algum humor e o coração feliz:

– Eminente Rubens Bittencourt, confrade dos quadros da Academia Internacional de Artes, Letras e Ciência "A Palavra do Século 21", sediada em Cruz Alta, no Rio Grande do Sul!

Meu querido Rubens, criatura que se vem tornando vigorosamente humana desde o dia em que tomou chimarrão até ficar verde e comeu churrasco até fartar-se, com direito a uma soneca no sofá-cama novo e predileto da esposa do chefe. Bem, diga-se de passagem, depois da terceira garrafa de vinho, e ainda saiu reclamando que o cafezinho estava sem açúcar.

Espero estejas bem e em paz com os teus afetos. Assim a vida rola melhor e a felicidade fica mais próxima.

Ah! Bem que eu gostaria de estar contigo aí nas Gerais, só para dar uma banda numa "cidadezinha qualquer", sim, aquela mesma do Carlos Drummond de Andrade; mas acho que, como em Mariana, o barro vermelho e sujo da Vale comeria até o pobre do burrinho, o que fará a velha madeira dos marcos e quebraria os vidros das inocentes janelas.

"CIDADEZINHA QUALQUER, de Carlos Drummond de Andrade:

Casas entre bananeiras /Mulheres entre laranjeiras /pomar amor cantar. /Um homem vai devagar. /Um cachorro vai devagar. /Um burro vai devagar. /Devagar... as janelas olham. /Êta vida besta, meu Deus. //

De Alguma poesia (1930)"

Bem que gostaria mesmo! Acho até que me contentaria em olhar a Pampulha de perto, em BH, ou qualquer outro detalhe que não me lembrasse os queijos famosos do Interior, só para não morrer de fome ou morder a língua inchado de ciúme dos caboclos, que fazem maravilhas no campo ou nas cozinhas dos apartamentos citadinos.

Bem, mas tem muita gente bonita em Curvelo? O Newton Vieira diz que tem de tudo, até gente inteligente; mas o que eu não queria mesmo era faltar ao evento dos 30 anos da Academia para participar contigo. Porque o Newton, solícito e educado que é, claro que vai estar rente que nem pão quente, na primeira fila. Eu bem que gostaria...

Mas não dá para sair daqui de perto do mar do Passo de Torres, em Santa Catarina, divisa com o Rio Grande de Deus, a 80 metros de Netuno, em meio ao vento que assovia sua descompensada canção pré-chuva e leva o meu arpão de guardião da Net! Aliás, agora é que me dei conta: esta palavrinha não seria uma abreviatura do Rei dos Mares? Será mesmo o pé do bicho?

Dia desses viajo escondido na mala de vocês e irei me esbaldar procurando o mar, lá em Minas, onde eu também sou amigo do Rei – como queria Manuel Bandeira. E, por certo, cantaria com Cecília "eu canto porque o instante existe...". E que não me vazem os olhos antes de ver as peças do Aleijadinho, igrejas e outros ricos trastes de história dos negros e dos seus austeros patriarcas, em Tiradentes, São João Del Rei ou Ouro Preto!

Peço desculpas, e muitas. Todavia, me lembrei tanto da carinha amiga de vocês sempre querendo novidades, que a Poesia das Gerais me comeu até os neurônios. Devo parar por que senão vou tentar falar até com o ET de Varginha e suas sequelas.

Bem, Rubens: toda a homenagem para ti é pouca, porque mereces ser louvado! Claro que os da periferia diriam: para que tanta puxação de saco? Mas é assim a vida gregária, ainda mais na vida das academias, na qual o dinheiro corrente pouco vale e sim aquilo que ficou no subsolo da gente e se vai aflorando com o perpassar dos anos.

Enfim, uma toga ou pelerine acadêmica, uma reles plaqueta, um singelo diploma, uma medalha, valem, para muitos destes 'condenados ao pensar', mais do que que um automóvel último tipo.

Por fim, já que corremos à margem da vida, como todos os poetas e intelectuais destacados, e que, a quaisquer eras, sempre representaram e reapresentam-se, nos dias atuais, como facínoras altamente perigosos para os que odeiam a democracia, está muito certo: que se alce loas a quem merece... E tu és um deles. E que haja silêncio na hora das loas e disfarçadas pavonices.

E tu, Newton Vieira, amigo e confrade acadêmico, arranja mais duas mãos, porque haverá um trabalho muito especial no dia 07, vindouro, às 20 horas, aí na tua Curvelo: BATE PALMAS ATÉ DOER. Por mim e por ti. Assim o meu coração quer e sente necessidade de dizer.

Com um abraço bem cinchado, daquele de quebrar as costelas, o poetinha gaúcho JM.

– Do livro inédito A BABA DAS VIVÊNCIAS, 1978/2018.

https://www.recantodasletras.com.br/cartas/6523101