Carta póstuma pra alguém sem corpo

Se despindo da carne, se despedindo do corpo. Lembro de quando eu esperava pelo seu último suspiro. Pedia aos santos, em prece silenciosa, pra que seguisses novos rumos, afins da verdadeira liberdade. Fico imaginando como deve ser não ter um corpo, e acho que chego a sentir daqui sua sensação de finalmente ser leve na sua profundidade. Se despindo da carne, se despedindo do corpo. Lembro dos seus últimos olhares, esse infinito vivo que guardavas em seus olhos, que já iam me perdendo de vista. Lembro de quando já não me enxergava mais. Esse abismo do seu olhar, começava a flutuar rumo novos planos, novas descobertas, novas aventuras.

De repente pude ver também, e era como se suas asas se abrissem enfim, e eu, eu sempre soube que esse dia seria importante pra nós, o dia da sua morte. O dia em que tu pegou o trem da meia noite, donde os trilhos rumavam um lugar distante. E você foi...e o trem não volta. O trem só vai. Caminha lento entre gemidos, se dissipa em sua fumaça, e entra no horizonte. Tornando-se também. O horizonte.

E pra onde eu olho, eu te vejo. Como se você estivesse mais presente em morte do que em vida. Você se tornou todas as árvores do meu caminho. Você se tornou as águas de um rio onde gosto de correr. Você de repente, preencheu todos os espaços tomou conta de todo o cenário natural que guarda a vida terrena e assim, sua alma se despiu do corpo, tirou as vestes da ilusão, e num passo ínfimo e arrastado fostes levado, pelo tempo...pelo acaso, pelo destino. Meu menino, meu eterno menino. Que não soube crescer. Mal sabia o caminho que lhe esperava. Ninguém sabe. Mas hoje sei que meu espírito vagabundo, esse de tão poucas ambições, se ascende do teu. Minha herança é a verdade, a essência do amor, a profundidade, a loucura, o canto, os olhos fechados pra poder sentir mais perto. Isso que me deixou, e é tanto pra mim. E sigo assim, entre preces e ás vezes ás pressas de te reencontrar. Mas vou com calma, sabendo que nossa alma são pedaços de um mesmo Todo. De uma única coisa. Um único sentido. Uma única força criadora.

Se desfaça de quem foi, recrie, o vazio é terra fértil pra novas possibilidades de Ser.

Hoje, você é livre. E eu te poemo, te reinvento, te imagino, te guardo, te lembro, e te amo.

Lírio Gita
Enviado por Lírio Gita em 17/08/2018
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