Caro Computador

Querido computador, quero revelar-te algo que jamais imaginei falar. Mas não rias de mim nem critiques meu pensamento, apenas leia-me em silêncio, se puderes.

Ontem, enquanto eu rabiscava pequenos textos, sonhava com a máquina de escrever e o piano . Eles me olhavam indiferentemente, enquanto eu desejava tocá-los levemente, dominá-los, conhecê-los e usá-los sempre que eu precisasse exprimir uma gota de meus sentimentos. A realidade crua, porém, impedia-me de tê-los e de vê-los traduzirem todo meu pensamento mais secreto .

Ao redigir meus pequenos textos, meu caro, contentava-me com velhos cadernos, lápis e borrachas. Instrumentos estes que por muito tempo acompanharam-me fielmente, ajudando-me sempre que eu precisasse exprimir meu olhar, minha inspiração ou meus sentimentos.

Posso te revelar, contudo, que nem sempre eu me sentia satisfeita com o resultado respingado no papel. Muitas vezes eram apenas rascunhos mal elaborados, ilegíveis para muitos, e, por isso nunca tive coragem de deixá-los voar .

Sabe, jamais tive coragem de dizer ao mundo que meu sonho mais secreto era deslizar meus dedos nas teclas de um piano e de uma máquina de escrever, fazendo-os reproduzir meus medos, minhas alegrias, meus anseios e minhas emoções.

Meu caderno era meu confidente,logo eu podia lhe contar tudo, pois eu sabia que jamais ele iria dizer que meu sonho era impossível; que eu era apenas uma pobre menina nascida no subúrbio, com sonhos sem asas. Não, nunca ele diria algo assim, algo que me magoasse,pois éramos bons amigos.

Só ao meu caderno eu tinha coragem de dizer o quanto eu desejava ver meus garranchos ganharem vida na máquina de escrever.

Depois do meu monólogo, ele ainda me aceitava, sabendo que se assim acontecesse, talvez eu no meu consumismo o esquecesse ou pouco lhe usasse; que eu poderia limitar, quem sabe, o uso do lápis e abandonar de vez a borracha, que me servia fielmente, diminuindo de tamanho de tanto apagar meus erros. Mas estavam os três juntos para me servir, independente do meu desejo de trocá-los por uma máquina de datilografar. Estavam felizes por me servirem, mesmo com meus textos chatos e ilegíveis, coisa que ainda não consegui melhorar.

Não me leves a mal, companheiro. Mas mesmo sabendo que o mundo evoluiu, que me trazes inúmeras informações, que através de ti aprendi algumas aulas de piano, hoje eu vejo que meu caderno, meu lápis e minha borracha ainda são muito importantes para mim.

Ao escrever minhas memórias através de ti, depois perdê-las por causa da própria tecnologia, em um piscar de olho, é que hoje adotei novamente meu caderno, meu lápis e minha borracha. Neles ainda confio completamente, desculpe-me a franqueza. Será que estou retroagindo, caro amigo? Ou será que tu és bom demais para meus dedos lentos e minha fértil imaginação? Não é preciso responder. Novos tempos me responderão. Um abraço virtual e até breve.

Lucineide
Enviado por Lucineide em 19/07/2018
Reeditado em 19/07/2018
Código do texto: T6394032
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