Lembrança do Pé de Cajá aos Netos

Epístola Sapé, 2018

Queridos netos, hoje estou com 75 anos, com rugas e cabelos brancos, mas a há muito tempo fui jovem e criança, assim como vocês são agora. Vivi uma vinda inteira e gostaria de compartilhar com vocês, e afinal, isso faz parte também das suas histórias, porque sem mim, vocês não estariam aqui para ouvir.

E antes de começar a falar de onde eu vim, quero dizer que quem vive muito tempo num lugar, acaba criando raízes e essas raízes acabam ficando mais fortes nas coisas e pessoas que amamos e com o tempo, elas passam e ficam as lembranças guardadas em nossos corações.

E muitas recordações marcaram a minha vida e lembro delas como se fossem hoje, mas foi há muito tempo, eu era criança, tinha 8 anos, morava num lugar chamado de São Salvador que pertencia a um senhor muito rico chamado Domingos Paraguai, era uma fazenda e havia um grande pé de cajá. A vida nessa localidade era muito simples, de pessoas humildes, agricultores, assim como meus avós eram, eles se chamavam Seu Canário e Rosa Canário.

Lembro dos meus dias de infância, passava o dia a brincar em torno daquele pé de cajá, o pé que foi meu avô que plantou, o pé que não era apenas uma árvore, era um marco de um local onde as pessoas eram felizes.

Nas épocas juninas, as pessoas faziam uma arraiá, em torno de pé cajá com uma grande fogueira e apresentação de quadrilhas com trajes elegantes e que muitas das vezes meu pai também contribuía generosamente para estes festejos, meu pai que todos o chamavam de João Caçador, era um produtor de carne de sol que vendia para as cidades próximas e em João Pessoa. Lembro muito bem, meus queridos netinhos, que dois dias por sememas, dias de matanças, as pessoas se reuniam em torno de pé de cajá para pegar seus pedaços de carnes de boi, doados pelo meu pai - eram épocas de farturas, eram épocas felizes. Eu me sentia uma criança muito feliz e orgulhosa do meu pai, mesmo sabendo que ele tinha outra família – a sua verdadeira família.

Tenho boas lembranças dos meus avós, eram cheios de vidas, criativos. Minha avó, que parecia uma índia, fazia esteiras de palha e meu avô fazia sandálias de couro com solado de borracha de pneu, mas o mais interessante, eram as rebequinhas feitas de pau d’arco com fio da rabo de cavalo, coisa que vocês não veem mais hoje em dia, eles sempre vendiam essas coisas na feira a de Sapé e eu fazia uma festa quando me levavam. E quando eu não ia para feira, eu corria para me encontrar com eles no pé de cajá.

Lembro da minha casa, que de início, era muito simples, feita de pau-a-pique e quando nos reuníamos todos, irmãos e primos, era uma festa só e adorávamos tomar banho de chuvas e, também havia um rio, onde meu avô costumava pescar piabas e, às vezes, muçum, eram uma delícia e mais delicioso ainda, era ser criança. E nas noites de lua cheia, meu avô reunia todos em volta de pé de cajá, onde tocava sua rebequinha e contava histórias e disse que este pé ficará para os tataranetos da 4ª geração.

Assim, vivi a minha infância simples e feliz. Hoje, depois de ter morado longe, mais de 40 anos no Rio de Janeiro, volto ao local que para mim é muito especial, porque fez parte da minha vida e parte da minha vida está aqui e principalmente nessa árvore, o pé de cajá, que foi testemunha da minha infância, e eu era feliz, não porque eu era criança, mas porque eu tinha amor. E aqui está ele, firme e forte, enraizado com muito amor. Chorei ao ver que em sua casca há uma protuberância em forma coração. Então, meus queridos netinhos, a felicidade está nas coisas e pessoas que nós cativamos durante a nossa vida.

Com amor,

Vó Gerusa