Carta para um amigo

Meu amigo, quase sempre os olhos da alma enxergam na penumbra e até nas trevas. Te confesso que estou a buscar as mesmas respostas que você - em cada vírgula, em cada ponto, em cada maiúscula ou minúscula que a natureza me escreve. A natureza como um todo - gente, flores, animais, rios, estrelas - e por aí vai. Com o passar dos anos, vou examinando as formigas e constatando que somos irmãs na luta diária pela sobrevivência, no mesmo tamanho que elas tem em relação a mim e eu no cosmos. Absolutamente irmãs. Carrego diariamente minhas folhinhas, meus pedaços de pétalas - maiores do que eu, subo e desço infindáveis vezes as trilhas impostas pelos sonhos e me submeto docilmente à agua que me leva ladeira abaixo. Quando menos espero levanto para recomeçar, pois é imprescindível recomeçar todos os dias ao abrir os olhos para o mundo - e que bom que os abro novamente, que ainda tenho essa nova e maravilhosa chance! Mas, meu amigo, as profundezas estão aí.... a cada passo. E não se pode andar sonolento, embora andar bem acordado doa tão fundo como um violino plangente em noite de luar. Então, era preferível sonhar. Entre a vigília e o sono, o sonho pode ser um bálsamo. Ando a pensar que só existimos por eles - são o nosso s.o.s. no desespero e na descrença. São a linguagem da perfeição inalcançável da nossa condição humana.

Amigo, falei tanto e nada disse. Concordo. Ando a voar em círculos para ver se subo mais cedo às estrelas. Ando a visitar planos estranhos, não por algo de desenvolvimento ou semelhante, apenas pela força de, como todos os seres, ser, acredito, centelha divina e um dia ter acreditado nisso muito mais do que hoje. Muito mais. Um pouco da minha paz, da minha força, da minha fé.... o vento levou! Mas ainda guardo no coração a vontade de retornar à paz da minha infância, quando o mundo era uma promessa... quem sabe, um dia....

A você, que me é tão caro, que lê um pouco de minha alma e decifra seus códigos mais secretos, todos os azuis dos céus...

Boa noite.