De um gay, preto e pobre da periferia aos muitos destinatários
Quando adolescente, já no Ensino Médio, eu nunca tive noção do racismo sofrido por afro-brasileiros. Eu era daqueles que acreditava que a luta das minorias não passavam dos famosos atuais “mimimis”. Da minha família, até então, fui o único a concluir o antigo 2º Grau de forma regular, o que se atrela ao fato de toda ela ser preta e pobre. Pobreza numa perspectiva de miséria, àquele período. Pai alcoólatra, irmãos e irmãs, primos e primas, tios e tias (de sangue ou simplesmente de criação) envolvidos com facções criminosas, tráfico e prostituição.
Dentro do meu grupo familiar, aquele composto por minha mãe, falecidos padrasto e irmão, além de mais duas irmãs mais novas, eu era o filho mais velho, ou seja, era-me imputada uma carga a mais de responsabilidade dentro da minha casa. Minha mãe, de escolaridade muita baixa, porém alfabetizada, sempre me dizia que a única saída era os meus estudos. Palavras proferidas, normalmente, após uma violenta briga com o meu padrasto, que disparava agressões físicas e psicológicas contra ela por crises de ciúmes.
Por conta disso, criei a consciência de que os estudos, realmente, seriam a única saída daquele mundo de pobreza, violência, marginalização e estereótipos contra uma típica família preta maranhense, moradora do bairro Residencial 2000, região do Maracanã, zona Rural, periferia de São Luís.
Mesmo com tantos defeitos, meu padrasto viu que eu tinha potencial e que queria algo além do que foi oportunizado aos outros vários filhos dele, nascidos de relacionamentos com outras mulheres. Por conta disso, eu sempre tinha dinheiro para ir à escola todos os dias, entre 2011 e 2013, período que estudei no turno da tarde na escola Gonçalves Dias, localizada no Bairro de Fátima, mais uma região periférica da cidade. Minha mãe era outra que fazia de tudo para que eu não faltasse às aulas.
Sempre tive um ótimo histórico escolar, desde o Ensino Fundamental. No Ensino Médio não foi diferente e mantinha um ótimo relacionamento com os professores, alunos, direção e demais funcionários da escola. No que diz respeito às notas, as minhas, sem falsa modéstia, eram sempre as maiores da turma e, quiçá, da própria instituição. Nos mais variados eventos, o meu nome sempre era cogitado em tais participações.
O fato é que o Gonçalves Dias nunca foi o meu objetivo, até mesmo pela ideia pré-concebida por muitos de que o ensino daquela escola não era satisfatório – cá entre nós, deixava muito a desejar, realmente. O meu grande sonho foi o Instituto Federal do Maranhão (Ifma-Monte Castelo) ou Liceu Maranhense, as duas melhores instituições da época. Infelizmente, não fiz parte das exceções de pretos, pobres e periféricos aprovados nas respectivas seleções.
Adaptei-me ao que chamávamos de “GD”, sigla em alusão ao nome da escola, fiz cursos pré-vestibulares na mesma, além de reforços escolares do “Mais Educação”, programa do Governo Federal de escola em tempo integral. Eu nem precisava dessas aulas extras, mas estar lá, em dois turnos, era mais proveitoso do que em casa, já que chegou ao momento que minha mãe e meu padrasto se separaram e ele acreditava que eu havia motivado isso, culminando em brigas e surras contra a minha pessoa. Também não posso esquecer que o almoço da escola era uma mão na roda quando onde eu morava não tinha comida.
SEXUALIDADE
Mesmo antes do Ensino Médio, eu sempre tive consciência da minha homossexualidade, todavia não sabia lidar com isso durante a infância e até meados da minha maioridade. Minha família, embora não praticante, naquela época, sempre foi religiosa (protestante). Eu, por exemplo, passei anos frequentando a Igreja Adventista do Sétimo dia, assim como as minhas irmãs integravam-se (até hoje são membros) à Igreja Assembleia de Deus. Naquele contexto, o meu credo agia mais como uma luta contra os meus dilemas sexuais, no sentido de eu me tornar mais “heterossexual”.
Sem problemas com aprovações nas disciplinas, meu principal problema da escola foi voltado à sexualidade. Eu sempre tive traços femininos, sejam trejeitos sejam aspectos físicos – corpo delgado, voz fina, rosto com traços delicados. Por conta disso, eu sempre fui alvo piadas, brincadeiras. Em suma, o típico bullying. Hoje, admiro e invejo casais homoafetivos, no auge da adolescência, demonstrando afetos por escolas Brasil afora. Na minha época, não existia isso e aquele velho “BV” (Boca Virgem) me marcou por quase todo o Ensino Médio.
Até que, em 2012, aos meus 17 anos, conheci um homem com quase o dobro da minha idade. Ele e eu marcamos um encontro após o horário da escola e, naquele mesmo dia, foi consumado um ato sexual. Definitivamente, não foi a melhor experiência que vivi, mas foi isso que a vida me oportunizou. Que eu lembre, esta foi a única relação amorosa/sexual que tive durante todo o meu Ensino Médio.
COMO ESTOU HOJE
Três anos muito importantes e, no mais, positivos, embora com muita dificuldade, se passaram. Mesmo com o sistema educacional sucateado, consegui uma bolsa integral pelo ProUni para o curso de Letras-Português numa instituição de Ensino Superior privada de São Luís, em 2014. Um ano depois, como cotista e com muito orgulho, fui aprovado ao curso de Comunicação Social-Jornalismo da Universidade Federal do Piauí (Ufpi), a graduação dos meus sonhos na cidade de Teresina, capital do estado. Em 2016, passei no Sisu para fazer o mesmo curso na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Por questões financeiras, permaneci em terras piauienses.
Atualmente, estou a um ano de me formar jornalista pela Ufpi, sem nenhuma reprovação. Também estagio como repórter num site de notícias teresinense e sou considerado o quarto melhor repórter de Internet do estado. O ranking é anual e é feito por um portal especializado em divulgar os bastidores da imprensa piauiense. Deixo aqui as minhas considerações nesta jornada vivida no Ensino Médio e ainda com muito a percorrer durante muitos anos deste preto periférico ludovicense.