Saudade
Santos, 27 de março de 2018.
Meu querido diário,
Quanta falta sinto de ti! Ainda bem que posso mandar-te uma cartinha de saudades!
Lembro-me com esmero do quanto éramos próximos. Naqueles tempos que era possível manipular a beleza. E com tinta de muitas cores, traçávamos os nossos dias. E o quanto ríamos de tudo isso, escondidinhos no nosso quarto.
Lembra-te que às vezes, ninguém gostava que falássemos alto? Dos dias que eu só tinha a ti para me ouvir? E da forma como, silenciosamente, eu entedia tudo o que me querias contar?
Meu querido, foram tantas mudanças de lá pra cá!
Antes eu tinha um tempo mais bonito; até podia inventar brincadeiras contigo. Inventava de desenhar palavras e pintar significados no teu corpo. E tu morrias de cócegas, lembra-te? Inventamos tanta poesia.
Agora mal posso lembrar-te. Tantas sombras me assaltam lembranças. Corro tanto para não te esquecer.
Hoje, por exemplo, tive um dia horripilante. Até lembrei-me daquelas nossas brincadeiras de fingir. Tu me olhavas e eu fingia estar nem aí; do nada éramos um oráculo, e ninguém podia nos descobrir, nem podíamos contar as nossas conversas pra mais ninguém.
Tu eras o meu único segredo e eu, a tua chave secreta.
Sinto-me confortável em poder-te encontrar.
E se ainda me ouves, responda-me.
E antes que nos descubram
Preciso retirar-me.
Beijos
De sua única saudade.