Memento Mori [Carta Especial à Alguém Amado]

I

Vida, tu que és preciosa, mas te perdes no interregno instante vital. Por que te vemos nascer, se precisamos nos separar todo os dias? Até o dia em que não haverá despedidas, eu quero, nunca mais, dizer adeus. Que assim seja - e será.

[…]

É exatamente o que se pereniza, de todo o modo, ao findar o término - meu engasgado e prematuro adeus. E pelo contrário, não dize-lo será a última e inesperada despedida. Vivida no luto após o desencontro; o exaurir, esgotar e extinguir inexoráveis e eternos. Aquele dia em que não haverá depois, e ficará na lembrança daquilo que já não despedireis. Marca que jaz em mim como memória etérea do espectral velório que não se consuma. Eis por que partir não basta!

Despedir-me não será necessário, contudo. Saibamos disso, pois tua presença custa-me desvencilhar, inibir e conter. Transbordas do meu peito, do meu dorso, corpóreo e mortal. Estás em todo lugar que não te encontras. Eu te vejo, em mim, o júbilo deste renascer inevitável que tua existente ausência perpetua.

Viver é, por vezes, um por-vir, declamado pelo emissário que lhe convida ao luto e sequer responde a quem te escreve. E que nos impele ao gozo despretensioso e à responsabilidade de amar as vísceras que nos ferem à fome de tudo e os sonhos que nos alçam as alvuras teatrais que só os anjos poderiam compor, em mesmo tanto e intensidade.

À destarte, a dor de quem fica é um compromisso. Convite inaugural diverso da tragédia que se pregou outrora. É neste préstimo que podemos honrar o símbolo, e circunscrever-lhe o nome que lhe cabe no indizível. Se não me despeço é porque me lembro, porque sei quem és, porque estou agora contigo e dou-te finalmente a resolução máxima de nossas dúvidas comungadas - agradeço.

II

Acredito que seja essa a essência da dor que despedaça a quem despeça a raïz profunda que é existir. Mas acreditar é não saber. Por isso, sinto, através de ti, todas as coisas do mundo de nós dois. É inquebrável o laço que nos une. A aliança transportada ao inefável torna-se, finalmente, uma promessa e tu meu anjo da guarda. Sou contigo uma lágrima cristalizada no oceano de nossos pais, avós e irmãos. E aos olhos do tempo, um conto por recitar, à espera de um momento mais apropriado para o fatídico encontro.

Que nossa árvore dê seus frutos primeiro, que tu possas me assistir colhe-los. Que nossa raïz se aprofunde em minha benquerença, minha histórica aventura e em meu sentimento conjunto. Que seja inesquecível cada frágil segundo que haverá depois, e à partir, de ti. Só então posso me despedir. Por hora és a mais concreta das almas, por hora preciso de ti. Nada disto haverá de ser nulo. Amo-te — vi, vivi e venci.

À Deus pertence todas as coisas,

Até logo bastará.

Hernán I de Ariscadian - Memento Mori [Carta Especial à Alguém Amado].

Hernán I de Ariscadian
Enviado por Hernán I de Ariscadian em 27/03/2018
Reeditado em 23/11/2018
Código do texto: T6291792
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