Carta de aniversário ao meu pai, depois de matarem Marielle
Ontem não foi um dia fácil! A-cor-do sob a resseca de um vermelho rubro. Eu o queria vinho. Mas era sangue, papai. Não o sangue vivo que corre em nossas veias, mas aquele que escorre de um corpo perfurado. Se recordo esse fato (quem poderia tê-lo esquecido dizendo se lembrar do sentido da vida?) é porque ele perfura a minha alegria, papai. Ele a suspende com uma violência que desplanta em mim as palavras. Luto para que se formulem. Talvez porque quisessem, desarticuladas e instintivas, ser um grito. Ontem pouco falei. E quando o fiz foi sob e sobre um estado de exceção. O permanente estado de exceção no qual temos vivido. Assim, meu pai, neste aniversário, este dia em que se refundam as energias do cosmos sobre sua vida, eu peço aos deuses todos, da memória à fertilidade, que replantem no mundo a sua esperança. Eu me lembro, pai, desde criança. Ela sempre me banha. A esperança esperante da sua pesca. Aquela que navega o rio se alimentando até do sereno. Aquela esperança lunar. Iluminada de uma luz outra, delicada e sensível como seu coração. É que o mundo carece de delicadeza e amor, meu pai. Muito amor. É seu aniversário, bem o sei e sinto, mas o nó que embarga a minha garganta me obriga ao plural. Eu peço por nós. Pelo mundo todo. Por todos os viventes. Do Cheiro à verdade da Flor. Do peixe ao pó.
Hoje eu peço, pai, por um jardim no universo.
Um beijo em seus olhos.
Sua sempre filha, Luciana