CARTA DE NÁUFRAGO

Num tempo que, não sei dizer qual, falava-lhe a partir de minhas mal traçadas linhas...Hoje melhor as traduzo, penso-as, sentimentos incompletos, em cartas, mal achegando-se-lhe aos olhos, e você ali tão destinatária, e à espera. Eram coisas faladas, sem se falar, a sinceridade distava delas, não acontecia e elas, palavras, não vinham, as que vinham não se diziam, num porque, o de estarem ali. E você por certo procurava-me naquelas linhas, e quanto mais escrevia mais fugia no espaço daqueles papéis carta, todos que tivestes às mãos. Sabia, eu e minha falta de sinceridade iríamos ser amassados e arremessados ao lixo. E éramos! Até que você se mudou, sem deixar endereço, e eu um cachorro a correr atrás do próprio rabo danei a escrever essas coisas para ninguém, esse ninguém em que se transformou você, por conta deste não me dizer, de não dar abertura por onde entrarias. Hoje faço desse vazio que fiz, existirem incontáveis papéis cartas, a calafeta-lo. A despeito dos móveis dessa sala, desse sofá em que me encontro, e onde não me encontro, tudo é um imenso vazio. Esse vazio de dentro invadiu tudo à minha volta, onde vou, o levo comigo, tudo tem cheiro e gosto dele. Foi sentindo-o à boca, que ruminei palavras, ruminei, ruminei e agora vomito-as a mais um papel carta. Preciso de uma garrafa, uma rolha... O que aqui vai não se destina ao lixo. Vou à praia, e nela entrarei, quando estiver com águas pelos ombros, arremessarei minha carta engarrafada, e que as ondas e os ventos a levem até você. Palavras secas, eu aqui ao seco, mas a carta é de náufrago. E por fim, novamente às ondas e aos ventos vai aqui meu beijo... Ah, meu perdido amor!

DA MONTANHA
Enviado por DA MONTANHA em 14/02/2018
Reeditado em 01/03/2018
Código do texto: T6253753
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