Os azulejos do banheiro
Sentada no chão do banheiro durante a madrugada de sexta-feira para sábado, peguei-me pensando em você. Lembrei-me das inúmeras vezes que ficamos juntos pelos os finais de semanas e dividimos filmes e opiniões sobre as séries do netflix. Refleti brevemente sobre nosso relacionamento conturbado, e a saudade cruel que eu sentia de você. Minha vida agitada quase te apagava da minha mente, mas eram nos momentos de silêncio e dor – como eu sentada no chão por conta de uma ressaca – que me vinha você. Você, que eu já nem sabia por onde andava, mas ainda causava tumulto no meu coração.
A dor no estômago e na cabeça eram ruins, mas a dor do coração sobrepunha a crueldade da ressaca. Cheguei até a pensar que havia bebido pouco – se eu tivesse bebido mais, eu teria apagado. Logo, não estaria pensando em você. Mas sinceramente, penso que as coisas acontecem porque tem que acontecer e eu precisava pensar em você nessa madrugada. Hoje, eu precisava acionar a sua lembrança e te aceitar de volta para me perturbar. Reparei que tínhamos deixado incompleta aquela série policial e alguns dos meus livros ainda estavam com você. Mesmo depois de dois anos. Lembrei também do sexo que fizemos nesse banheiro, embaixo da água, enquanto tentávamos matar a vontade um do outro depois daquelas férias que passei em Capitólio. Foram duas semanas que mais pareceram meses. Senti falta daquele aquele aperto no coração.
Uma pausa para vomitar mais uma vez, e lavar o rosto com água gelada na tentativa falha de espantar o enjoo. A ânsia de vômito não passa, nem o cheiro de álcool impregnado na boca e nem você. Você que grita silenciosamente na minha mente me trazendo detalhes nossos. Inconscientemente lembrei de migalhas suas pela minha casa. O quadro na sala, sua meia cinza na gaveta de edredons. Sua escova de dentes verde estava embaixo da pia, e o seu shampoo de cidreira ainda ocupava espaço por entre os meus condicionares. Seus livros da medicina, o exemplar único do HQ do Batman e até a mania de organizar os livros por tamanho também estava aqui ainda. Não reparei nisso, como também não reparei que você ainda me roubava o ar. Ou isso seria a ressaca? Eu não sei dizer o certo. A cabeça ainda está turva e eu, tonta.
Desisti de lutar contra você e o mau estar e me rendi ao chão gelado do banheiro, embalada pelos os azulejos pretos com pequenos pingos em cinza. Um calafrio percorre o meu corpo, e me lembra o modo como você roçava a barba no meu ombro ou sorria no meu ouvido. Os azulejos, assim como minha casa, meu corpo e meu coração também viram muito de nós dois – sabiam muito sobre nós dois. Como espectadores da nossa história, acompanharam do começo ao fim, fiéis e calados. Assim como o quadro, os livros, e o HQ… que embora me lembrassem a sua partida, me forçavam a não te esquecer. Não que eu pensasse em você com frequência, apenas no silêncio e na dor – as duas coisas que você mais me ofereceu na traição e na omissão.